Quando o amiguismo silencia a justiça- falência da Advocacia no interior de Angola – Rafael Morais

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No interior de Angola, a luta por justiça enfrenta um inimigo invisível e sorrateiro, o amiguismo no seio da advocacia. O que deveria ser uma prática profissional pautada pela ética, independência e defesa dos direitos dos cidadãos tem sido frequentemente comprometido por laços pessoais e interesses ocultos.

Províncias como Huambo e Huíla e possivelmente outra que não nos chegaram denuncias, revelam uma realidade preocupante. Muitos cidadãos relatam a desistência forçada de processos judiciais por falta de confiança nos seus próprios advogados. Não porque não tenham sido legalmente constituídos, mas porque, ao longo do processo, demonstram uma passividade suspeita.

A razão é muito simples. Os visados são, muitas vezes, amigos de infância, colegas de escola ou familiares dos próprios advogados. Nestes casos, o defensor transforma-se em obstáculo, abandonando a imparcialidade e comprometendo seriamente o direito à defesa.

Essa atitude é mais do que um desvio ético é um golpe profundo no sistema de justiça. O advogado, que deveria ser escudo e voz do seu constituinte, torna-se cúmplice do silêncio. Em consequência, decisões judiciais favoráveis ao cidadão tornam-se letra morta quando administrações locais recusam cumpri-las, sem sofrer qualquer consequência.
É fundamental lembrar que toda sentença judicial é de cumprimento obrigatório.

Quando uma administração ignora deliberadamente uma ordem do tribunal, não está apenas a violar a lei está a deslegitimar o próprio Estado de Direito. E o mais alarmante é que, nesses casos, a Procuradoria-Geral da República, que deveria agir como garante da legalidade, raramente entra em cena. O silêncio institutional agrava a sensação de impunidade.

A maioria desses violadores de sentenças são agentes da Administração Pública, pessoas investidas de poder, mas que o utilizam para travar a justiça e proteger interesses próprios ou de terceiros.

O cidadão lesado, desamparado no seu território, vê-se obrigado a procurar advogados em Luanda particularmente ou numa outra provincia, acreditando que só fora do seu território local poderá obter uma defesa digna e imparcial. Isso revela não apenas a desconfiança nos profissionais locais, mas uma crise estrutural no acesso à justiça nas províncias.

No meu entender acho que este problema exige resposta urgente. A Ordem dos Advogados de Angola deve fortalecer os seus mecanismos de fiscalização e responsabilização dos seus membros. A ética profissional não pode ser opcional. A amizade não pode se sobrepor à justiça. O advogado é servidor da lei e não das suas relações pessoais.

Por outro lado, o Estado, através dos tribunais, da PGR e dos órgãos da Administração Pública, precisa reafirmar que ninguém está acima da lei. Respeitar e fazer cumprir as decisões judiciais é um pilar importante para garantir a paz social e a confiança dos cidadãos nas instituições.

Não podemos continuar a permitir que o amiguismo silencie a justiça e transforme os tribunais em espaços de simulações. A justiça só é justiça quando é igual para todos com ou sem amigos no processo.

Radio Angola

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