Lei de Fake News em Angola: Riscos à Liberdade de Expressão e Lições do Contexto Africano
Imagem: otaboanense.com
Por Friends of Angola
Maio de 2025
O Ministério das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social de Angola apresentou recentemente a “Proposta de Lei sobre a Disseminação de Informações Falsas na Internet”, com o objetivo de combater a propagação de fake news no espaço digital. Embora o combate à desinformação seja uma preocupação legítima em tempos de polarização e crescente influência das redes sociais, a proposta levanta sérias preocupações quanto aos riscos que representa para a liberdade de expressão e o espaço cívico em Angola.
Uma Definição Ambígua e Perigosa
O primeiro ponto crítico da proposta reside na ausência de uma definição clara do que constitui “informação falsa”. Essa ambiguidade abre margem para interpretações arbitrárias e subjetivas por parte das autoridades, o que pode comprometer o jornalismo investigativo, a sátira, e até críticas legítimas às políticas governamentais. Em democracias saudáveis, a liberdade de expressão protege inclusive conteúdos controversos — desde que não violem claramente direitos de terceiros.
Penalizações Exageradas e Abordagem Punitivista
A proposta prevê sanções penais severas, incluindo multas e penas de prisão. Trata-se de uma resposta desproporcional que, segundo especialistas internacionais, ignora as causas estruturais da desinformação, como a falta de literacia mediática e o fraco investimento em comunicação institucional de qualidade. A criminalização não só não resolve o problema, como pode gerar um efeito inibidor sobre a liberdade de imprensa e a participação cívica.
Falta de Mecanismos Claros de Fiscalização
Outro ponto problemático é a indefinição sobre qual entidade terá competência para avaliar e sancionar conteúdos supostamente falsos. Sem garantias de independência institucional e sem mecanismos de recurso acessíveis à sociedade civil e ao cidadão comum, corre-se o risco de politização da regulação da informação.
Um Risco Real: Instrumentalização para Censura
A proposta, da forma como está redigida, pode ser facilmente usada como instrumento para reprimir críticas ao governo. Esse padrão tem se repetido em vários países com tendências autoritárias, nos quais o combate à desinformação serve de pretexto para censura e perseguição política.
O Que Dizem Outras Experiências Africanas?
Ao analisar experiências semelhantes em países como Quênia, Nigéria e África do Sul, percebe-se que leis mal desenhadas têm sido amplamente criticadas — e, em alguns casos, rejeitadas.
-
No Quênia, a Lei de Uso Indevido de Computadores e Crimes Cibernéticos (2018) foi usada contra jornalistas e críticos, e trechos foram considerados inconstitucionais pela Suprema Corte.
-
Na Nigéria, uma proposta semelhante inspirada na legislação de Singapura foi rejeitada após mobilização da sociedade civil, que alertou para os riscos de censura.
-
Na África do Sul, a proposta de regulamentação de conteúdo digital aposta mais na literacia digital e na autorregulação do que na criminalização.
Já a União Africana, através da sua Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão e Acesso à Informação (2019), adverte explicitamente contra o uso abusivo de leis contra fake news, e recomenda abordagens baseadas na educação, transparência governamental e co-regulação com a sociedade civil.
Recomendações da Friends of Angola
Diante deste cenário, recomendamos que o governo angolano:
-
Redefina o conceito de “informação falsa”, estabelecendo critérios objetivos que protejam o jornalismo e o direito à crítica;
-
Substitua sanções penais por mecanismos civis e administrativos, como o direito de resposta e a correção pública de informações;
-
Crie um órgão independente e multissetorial (com participação do governo, sociedade civil, mídia e plataformas digitais) para acompanhar o cumprimento da lei;
-
Invista em campanhas de literacia digital e transparência governamental, fortalecendo a capacidade crítica dos cidadãos e a confiança nas instituições;
-
Garanta um processo legislativo participativo e transparente, ouvindo especialistas, organizações da sociedade civil, jornalistas e universidades.
Conclusão
Combater a desinformação é, sim, necessário — mas não pode ser feito às custas das liberdades fundamentais. A proposta de lei, tal como está redigida, representa uma ameaça desproporcional à liberdade de expressão e corre o risco de ser usada como ferramenta de repressão política. Angola tem a oportunidade de liderar pelo exemplo, adotando uma abordagem equilibrada e democrática baseada no diálogo, na educação e na responsabilização institucional legítima.
Regular a informação é necessário. Censurar a crítica, jamais.

