20 de Junho de 2015 – 20 de Junho de 2020: O que mudou em Angola – Hitler Tschikonde e Nuno Dala
Num sábado como hoje, a 20 de Junho de 2015, 13 jovens activistas foram detidos na sala de aulas do Instituto Luandense de Línguas e Informática (ILULA). O décimo quarto (Domingos José João da Cruz) foi detido no fim do mesmo dia, em Santa Clara (Cunene), e, a 24 de Junho, o décimo quinto (Osvaldo Sérgio Correia Caholo) foi detido na Centralidade do Sequele (Luanda). Todos foram essencialmente acusados e julgados por tentativa de golpe de Estado.
Temos, principalmente na qualidade de cientistas sociais, insistido para que os Angolanos e Angolanas deixem de romantizar as razões que levaram à detenção, julgamento e condenação de Afonso Mayenda Matias, Arante Kivuvu Italiano, Albano Bingo Bingo, Benedito Jeremias Dalí, Domingos José João da Cruz, Fernando António Thomas,José Gomes Hata, Henriques Luaty da Silva Beirão, Hitler Jessy Tschikonde, Inocêncio de Brito, Manuel Chivonde Baptista Nitos Alves, Nelson Dibango Mendes dos Santos, Nuno Álvaro Dala e Osvaldo Sérgio Correia Caholo, bem como de Laurinda Manuel Gouveia e Rosa Conde. Os 15+2 não foram detidos, julgados e condenados por «lerem um livro». Há mais fantasia romântica nesta narrativa do que verdade e seriedade analítica.
Os 15+2 foram detidos, julgados e condenados, porque estavam a idealizar, conceber e a projectar a génese das bases de um movimento político que poria fim ao regime do MPLA sem recurso à violência e evitar
As razões que levaram diversos jovens a reunirem regularmente para o fim acima exposto traduziam-se em inúmeros factos que demonstravam que, se os Angolanos e Angolanas pretendiam realizar-se como Povo, havia necessidade de Angola ser libertada da ditadura de José Eduardo dos Santos (JES) e, igualmente, uma vez o MPLA apeado do poder, impedir que outra ditadura fosse instalada. «Ferramentas para Destruir o Ditador e Evitar Nova Ditadura: Filosofia Política de Libertação para Angola», assim rezava o título o fascículo- guia de estudo, análise e deliberação usado nas sessões, elaborado por Domingos da Cruz, tendo como quadro de referência o livro da Ditadura à Democracia: Uma Estrutura Conceitual para a Libertação, da autoria de Gene Sharp.
Os jovens reuniam-se movidos pela razão revolucionária. Ou seja, na altura, quando Angola caminhava para a compleição do seu 40o aniversário de Independência, o País estava num marasmo civilizacional marcado pela violência política, pela governação sem projecto, pela má governação, pela corrupção, pelo saque desbragado do erário, pelo nepotismo, pelo tráfico de influências etc. Entrementes, os Angolanos e Angolanas continuavam a ser vítimas de uma educação desafricanizadora e promotora da mediocridade e de uma máquina económica que reproduzia e ampliava as desigualdades sociais. Mais do que isto, também continuavam a ser vítimas de uma oposição política sem projecto. Em 2015, Angola estava numa crise total.
Transcorridos 5 anos, temos de questionar: o que mudou em Angola? Ou seja, as razões que nortearam os 15+2 continuam actuais ou foram dissolvidas? Para obtermos as respostas, faremos uma abordagem objectiva e comparativa da realidade do País em Junho de 2015 e em Junho de 2020, tendo como linhas de análise as seguintes:
1. Quadro político:
1.1. Em Junho de 2015, o MPLA estava no poder, a caminho de completar 40 anos de domínio político tóxico do País. Era Presidente da República José Eduardo dos Santos, o ditador que estava, porém, em decadência. Na Assembleia Nacional, em consequência das fraudulentas eleições gerais de 2012, o MPLA tinha 175 deputados, equivalente a 71,84%. Toda a oposição parlamentar junta tinha apenas 45 deputados, equivalentes a 28,16%, o que quer dizer que não tinha poder real para fazer o contrapeso à tóxica maioria qualificada do MPLA.
1.2. Em Junho de 2020, o MPLA está no poder, a caminho de completar 45 anos. O MPLA domina e predomina na Assembleia Nacional, com 150 deputados, ou seja, 61% do total de deputados eleitos nas fraudulentas eleições gerais de 2017. É Presidente da República João Manuel Gonçalves Lourenço.
2. Economia e condições de vida:
2.1. Em 2015, a economia angolana estava mergulhada numa grave crise que irrompera em 2014, ano em que o preço do produto- motriz da economia, o petróleo, entrou numa vertiginosa queda, ao mesmo tempo em que o País deixou de comprar o dólar americano por decisão dos Estados Unidos. A taxa de crescimento foi de 4%. Por outro lado, o poder de compra dos cidadãos ficou drasticamente reduzido para 60% a 50%. A taxa de desemprego foi de 20%.
2.2. Em 2020, a economia angolana continua mergulhada na crise que emergiu em 2014, cujas ondas de choque começaram a varrer o País em 2015. Passados 5 anos, as projecções de contracção da economia são, segundo o FMI, de 1,4%, ou seja, a economia continua(rá) sem crescer no presente ano. A taxa de inflação actual é de 10%. A taxa de inflação homóloga é de cerca de 20%. As condições de vida da população agravaram-se. Além de o preço da cesta básica ser equivalente e/ou superior ao salário mínimo nacional, a taxa de desemprego em 2020 é de 32%.
3. Direitos, liberdades e garantias:
3.1. Em Junho de 2015, o direito à manifestação, consagrado na Constituição da República, apresentava-se violado sistematicamente e com recurso frequente à violência brutal da Polícia Nacional (PN). Nesta altura, a mesma instituição policial tinha realizado pouco tempo antes uma desastrosa intervenção contra a igreja de José Julino Kalupeteka, que resultou na chacina de vários crentes e membros do grupo religioso, bem como agentes da PN. O líder e seus coadjuvantes acabaram levando as culpas por todas as mortes violentas ocorridas no Monte Sumi, configurando um quadro complexo de violação de uma série de direitos fundamentais.
3.2. Em Junho de 2020, depois de alguma abertura verificada entre Setembro de 2017 e 2018, o retorno da repressão policial às manifestações foi consolidado em todas as províncias onde surgiram iniciativas de protesto de rua. Na Província do Kwanza Sul, dois jovens foram detidos quando tentavam realizar uma vigília a favor de Rodrigues Eduardo, inspector do Ministério das Finanças, assassinado em circunstâncias suspeitas. Na Província do Uíge, um grupo de cidadãos deslocou-se ao Largo do Governo Provincial, para realizar uma vigília a favor de Abigal Nangule, a menina de 4 anos que foi violada e assassinada por um indivíduo de 29 anos. A Polícia Nacional inviabilizou a actividade, mesmo estando informada das medidas de segurança sanitária previamente tomadas pelos promotores da vigília.
4. Liberdade de imprensa:
4.1. Em Junho de 2015, existiam em Angola diversos jornais como os seguintes: Jornal de Angola, Semanário Angolense, Jornal Angolense, A Capital, Novo Jornal, O País, O Crime, O Continente, Jornal Expansão, Agora, Manchete e Folha 8. Sobre as rádios, todas as privadas excepto duas (Rádio 2000, no Lubango, e Rádio Morena Comercial, em Benguela) estavam concentradas em Luanda. Das televisões, havia apenas uma de sinal aberto (TPA).
4.2. Em Junho de 2020, do total de jornais acima mencionados (11), apenas estão em actividade estes: Jornal de Angola, Novo Jornal, Jornal Expansão, Folha 8 e O País. Das rádios, o cenário continua o mesmo, em que, excepto as duas rádios privadas (uma em Benguela e outra no Lubango), todas as outras estão concentradas em Luanda. Das televisões, a TPA continua a ser a única de sinal aberto.
5. Administração da justiça:
5.1. Em Junho de 2015, o Serviço de Investigação Criminal (SIC), a Procuradoria-Geral da República (PGR), os tribunais, o Tribunal Supremo e o Tribunal Constitucional (TC) funcionavam regidos pelo imperativo de favorecer o grupo hegemónico e seus membros. Isto implicava ser fraco com os fortes e ser forte com os fracos. Funcionavam também como instituições de controlo político.
5.2. Em Junho de 2020, o escândalo é o mesmo. Recentemente, o Tribunal Constitucional, por exemplo, inviabilizou o projecto político-partidário PRA-JA por manifesta orientação política. Por outro lado, as acções levadas a cabo pela PGR e pelos tribunais, traduzidas na prisão, julgamento e condenação de uns poucos criminosos, não passam essencialmente de operações que se enquadram na estratégia de regeneração útil do MPLA, para garantir a sua sobrevivência.
6. Serviços de Segurança do Estado:
6.1 Em Junho de 2015, as forças de Segurança do Estado, eram acusadas de assassinar centenas de angolanos no Monte Sumi, tal como já foi referenciado acima, sem no entanto esquecermos as práticas de agressões físicas, cálunia, difamação, raptos, invasão ao domicílio e outros tipos de perseguição política aos adversários políticos entre líderes partidários e activistas.
6.2 Em Junho de 2020, as forças de Segurança do Estado já fizeram mais vítimas mortais do que o Coronavírus em todo o país, insistem na propagação da calúnia, difamação e de outros tipos de perseguição política com vista a travar a participação política dos cidadãos.
Se durante os encontros na Vila Alice nós considerávamos o SINSE (Serviço de Inteligência e Segurança do Estado), o TC e a CNE (Comissão Nacional Eleitoral) como sendo instituições de manuntenção do Poder Político, o SINSE continua a ser até hoje uma associação criminosa que actua à margem da Constituição da República de Angola, violando-a grosseiramente para manter o MPLA no Poder, e o mesmo deve ser dito sobre o TC, que foi usado pelo Bureau Político do MPLA para afastar Abel Chivukuvuku da liderança da CASA-CE e colocar no seu lugar alguém que representa os interesses do regime e ladeado de ex-agentes do SINFO (Serviço de Informações) disfarçados de oposição, e a CNE, que agora está a ser dirigida por um corrupto indiciado pela PGR.
A 26 de Setembro de 2017, João Lourenço tomou posse como Presidente de Angola, fruto de uma eleição fraudulenta realizada num clima de tensão política com destaque ao município de Chongoroi (Benguela), onde houve vítimas mortais por conta da intolerância política perpetrada por militantes do MPLA contra militantes da UNITA.
Durante pouco mais de um ano, o ímpeto reformista do então novo presidente levou milhões de Angolanos e Angolanas a crerem que João Lourenço era o reformador de que Angola precisava para sair do marasmo e fazê-lo um país funcional e progressista.
João Lourenço passou a ser visto como aquele que, investido de poder executivo, promoveria as amplas e profundas mudanças que tirariam Angola das piores posições dos rankings internacionais.
Transcorridos cerca de 3 anos, ficou evidente que «corrigir o que está mal e melhorar o que está bem» não passa de um processo em que o objectivo cardeal não é a viabilização do País, mas, sim, a manutenção do MPLA no poder.
Um processo de reforma total do País levaria à extinção do MPLA como partido hegemónico.
O combate contra a corrupção e o repatriamento de capitais são uma farsa. Uma mentira política com vista a ludibriar a opinião pública nacional e internacional.
De Junho de 2015 a Junho de 2020, passados 5 anos, o MPLA continua no poder, Angola continua refém do MPLA, a crise económico-financeira continua e segue pior, os angolanos continuam a viver em condições de vida apocalípticas, os direitos, liberdades e garantias continuam a ser violados, enfim, a tragédia é total.
Em Junho de 2015, os Angolanos e Angolanas viviam na ânsia de um governo que salvasse o País da hecatombe. Essa ânsia continua. Isto significa que João Lourenço não está à altura das encomendas, ou seja, foi uma substituição do mesmo pelo mesmo. O Povo Angolano continua a ser a única vítima no meio de toda essa forma maquiavélica de sobrevivência política ao mais alto nível, que agudiza a fome, a pobreza e as diversas dimensões da desigualdade social.
O país ainda é o mesmo. O MPLA não é a solução. O MPLA é o problema.
As razões que levaram os 15+2 a reunir-se regularmente para a construção do Projecto Vila Alice continuam actuais. Os 15+2 entendiam que, com eleições, o MPLA não seria derrubado, pois, além de serem fraudulentas, não passam de um mecanismo para o partido delinquente dar aparência de legitimidade à sua manutenção no poder. Entendiam também que, se o MPLA se mantém no poder por meios não democráticos, por ter falsificado a democracia, o mesmo tinha de ser derrubado por outros meios à disposição dos Angolanos e Angolanas.
A realidade actual, em Junho de 2015, indica que o regime já dispôs no tabuleiro as suas peças para garantir que o MPLA, mais uma vez, transforme as próximas eleições numa fraude, em claro desrespeito pela vontade do Povo.
É chegada a hora de reflectirmos se vale a pena continuarmos a sofrer com os braços cruzados e as pernas traçadas.
É chegada a hora de reflectirmos se vale a pena continuarmos – enquanto Povo – a ser cúmplices deste sistema apodrecido que torna o rico cada vez mais rico e o pobre cada vez mais pobre, isto é, miserável e desprotegido.
É chegada a hora de tomarmos consciência e pormos fim à ditadura do MPLA que já dura 45 anos.
Autores: Hitler Jessy Tschikonde Nuno Álvaro Dala