Tomás Bica e Turma do Apito: milícia assassina na comunidade
A criação da conhecida “Turma do Apito”, milícia criada há dois anos pelas mãos de Tomás Bica Mombundo, na altura administrador do Distrito Urbano do Sambizanga, tinha como propósito o combate à criminalidade nas comunidades. Desde então, a “Brigada de Vigilância Comunitária”, como também é chamada, tem provado o contrário, causando dor e luto nas famílias, como foi denunciado ao Observatório da Imprensa.
Fonte: Observatório de Imprensa
No momento da sua constituição, muitos tinham alertado para o perigo desse grupo, devido ao seu “carácter criminoso”, suspeitas apontavam para a perseguição dos critérios ao regime do MPLA. Os seus mentores pensam de forma diferente, alegando que o propósito para o qual foi criada a milícia mantém-se, isto é, ajudar as autoridades policiais a combater a delinquência. Acreditam que os objectivos têm sido alcançados e entendem que as descendentes dos bairros do Distrito Urbano do Sambizanga vivem, agora, em tranquilidade.
Tomás Bica Mombundo – o mentor da “turma assassina”
Este grupo de “justiceiros” foi criado em 2019, pelo jovem político do MPLA, Tomás Bica Mombundo, quando era administrador do Sambizanga e primeiro secretário do partido dos “camaradas”, com um devolver o sentimento de tranquilidade às populações. Da província natural do Kuanza-Norte, Tomás Bica Mombundo, com 40 anos, entrou cedo na vida política activa. Antes de ser nomeado em cargas do Estado, já tinha exercido funções de base no MPLA, partido do qual é militante. Por ter influência junto dos mais velhos, foi catapultado para cargo do 1º secretário da JMPLA, em Luanda, em 2014. Na altura, quem liderava a JMPLA era nacional o então Governado de Luanda, Luther Joaquim Rescova.
Constituição e atuação da milícia
Segundo os dados apurados pelo Observatório de Imprensa (OI), no distrito do Sambizaga, onde começou a “Turma do Apito”, esta milícia existe há dois anos e é constituída por centenas de membros, a maioria ex-delinquentes que agora prendem e espancam os seus ex-comparsas. Um dos membros, que preferiu não ser identificado, explicou que, “os integrantes são geralmente jovens que mal frequentaram a escola e lidam constantemente com o desemprego”. Este jovem de 27 anos admitiu os seus antecedentes criminais, que incluem homicídios voluntários e revelou que muitos dos seus integrantes alinharam nas fileiras desta organização, com a garantia de que seriam mais tarde enquadrados na Polícia Nacional (PN) ou no Serviço de Protecção Civil e Bombeiros (SPCB), uma promessa que até ao momento não foi concretizada pelo administrador Tomás Bica.
Contou-nos que o grupo está “orientado”, a qualquer hora do dia, com maior incidência no período da noite, momento em que os “marginais” desenvolvem melhor as suas acções. Garantiu que “foi por isso que a Turma do Apito surgiu. Para desencorajar tais acções”, disse.
O jovem confessou que, nos primeiros dias, a milícia obedecia a instruções dos seus mentores. Essas instruções consistiam no combate aos marginais na zona circunscrita, “mas como a maioria dos grupos já se envolveu em actos criminosos, aproveita-se a situação para fazer assaltos”, ressaltou.
“O grupo já matou muitos inocentes”, denuncia a população
O OI conversou com populares residentes nos bairros Dimuca, Operário, Sossego, Guanhá, Huambo e Ngola Kiluanji, no Sambizanga, sobre a actuação da controversa “Turma do Apito”. Para os moradores, “no princípio, a bandidagem tinha diminuído com o seu surgimento, mas depois, foram os próprios integrantes do grupo que começaram a protagonizar assaltos à mão armada”, conta-nos o ancião Xavier António, com 70 anos.
Dos vários crimes, alegadamente cometidos pela milícia em causa, há denúncias do assassinato de Paulo Manuel Francisco, 35 anos, espancado até à morte, tornando-se a quarta vítima mortal. Os familiares contaram-nos que a vítima foi retirada da sua casa, na calada da noite e que, antes de ser encarcerado, foi submetido a uma série de pancadaria com catanas e outros objectos contundentes. Paulo Manuel Francisco foi socorrido pela família, mas não resistiu aos graves ferimentos, tendo sucumbido a caminho de uma unidade sanitária. Tudo aconteceu quando a sua esposa terá apresentado uma queixa à milícia, devido a uma briga entre o casal. “Tinha uma pequena briga com a sua esposa à noite, que motivou ao marido dar uma bofetada, então, a mulher entendeu que tinha de se queixar à Turma do Apito que, quando chegou, começou a bater-lhe até lançar sangue”, disse a senhora Maria, familiar do malogrado.
Os populares que pedem o fim do terror organizado pela milícia, lamentam que a Polícia Militar “deixou de exercer o seu papel enquanto órgão do Estado angolano, que vela pela ordem e tranquilidade pública”. “Nos últimos tempos, o comando do Sambizanga está nas mãos da milícia, que tem espalhado o terror, ameaças de morte, vandalização de residências, assaltos à mão armada, sob o olhar silencioso das autoridades competentes”, lamentam.
Ainda no Sambizanga, João Zage, de 33 anos, consta da lista das vítimas da “Turma do Apito”, o infeliz foi torturado e queimado, quando saía de casa para trabalhar, às 23h. Testemunhas contaram que, no seu caminho, o jovem Zage decidiu parar para saudar alguns amigos que se encontravam numa roulote, a alguns metros da sua residência. Ao retirar-se, um jovem “pertencente ao poderoso grupo”, acusou-o de ter roubado o seu telemóvel. Depois de algumas buscas, o referido telemóvel apareceu no bolso do proprietário. “Envergonhado, face à exposição de que pretendia acusar um inocente, sabe-se lá a troco de quê, o jovem poderoso diz ter-se confundido e que afinal não tinha sido um telemóvel que tinha sido roubado, mas um relógio e que o criminoso era João Zage”, relatou o vizinho da vítima.
O vizinho acrescentou que, “sem dó nem piedade”, os membros da Turma do Apito algemaram o jovem Zage junto a um poste, regaram-no com gasolina e com recurso a um palito de fósforo, incendiaram o rapaz.
Outros moradores enaltecem trabalho do grupo
Se, para uns, a existência da “Turma do Apito”, é um autêntico terror. Para outros, há moradores que admitem que a criação da ‘milícia’ foi o pensamento mais acertado. A senhora Esperança Campos disse ao Observatório que, “seria um erro grande, as autoridades decidirem pôr fim à “Turma do Apito”, pois, “tem ajudado muito na tranquilidade da comunidade”. Para a moradora, “desde que entrou este grupo no Sambizanga, a população anda à vontade e os assaltos diminuíram significativamente”.
O jovem Simão do Nascimento Matias, 25 anos, tem o mesmo pensamento, que passa pela manutenção do conjunto criado por Tomás Bica. Na sua visão, os habitantes do Sambizanga “têm beneficiado muito do trabalho desenvolvido pela turma, no combate ao crime”. Explicou o munícipe que, “os bandidos aqui no nosso bairro já não são assim tantos”.
Comandante-Geral Paulo de Almeida considera “ilegal” existência da “Turma do Apito”
Numa entrevista recente, o comandante-geral da Polícia Nacional, Paulo Almeida, considerou “ilegal” a existência da brigada de vigilância. Segundo ele, “a Turma do Apito funciona à margem do que a lei prevê”. Assegurou que “as administrações provinciais já foram alertadas, no sentido de pararem com essa prática. Caso contrário, serão tomadas medidas para se pôr em ordem”. Frisou ainda que, “para nós, é uma organização ilegal e nós já mandamos parar com isto” e que, “apito é para o futebol ou para o trânsito”.
Chefe da “Brigada 23” diz que “Turma do Apito” auxilia trabalho da Polícia Nacional
Em exclusivo ao OI, Osvaldo Domingos José, o coordenador da “Brigada 23”, no bairro Dimuca que controla perto de cem membros, incluindo mulheres jovens disse que muitas das autoridades desconhecem da legalidade da criação da brigada de vigilância comunitária.
O brigadista da “Turma do Apito”, explicou que o grupo criado por Tomás Bica, tem o seu respaldo legal garantido, por fazer parte dos órgãos sociais da Administração do Distrito Urbano do Sambizanga. “Estamos autorizados pela administração local e pelo comando da Polícia Nacional”, disse, esperando o apoio necessário por quem de direito, pois segundo ele o homem do apito tem trabalhado a “custo zero” e o que mais precisam é de alimentação.
Jurista diz que criação da “Turma do Apito” transmite incompetência da Polícia Nacional para combate a delinquência
O jurista Adilson Salvador disse ao OI que se trata de um “grupo que age fora da lei”, uma vez que o órgão do Estado angolano encarregue de combater a criminalidade com vista à manutenção da segurança e tranquilidade pública, “é a Polícia Nacional, não é uma milícia”.
Para o jurista, os cidadãos perderam a confiança com as instituições públicas. Ao criar uma milícia para o combate às acções delituosas, em substituição da corporação, Tomás Bica atribuiu um ‘cartão de incompetência’ ao Ministério do Interior (MININT) e ao Comando-Geral da Polícia Nacional (CGPN).
As autoridades preferem o silêncio, mesmo diante de várias denúncias na imprensa e nas redes sociais sobre os actos criminosos, alegadamente praticados pelos milicianos. O OI contactou via telefone com o porta-voz da Procuradoria-geral da República, Álvaro João e com o porta-voz da Polícia Nacional, Nestor Goubel, para que esclarecessem a actuação do grupo em causa, mas nada resultou desse contacto.
Na visão do jurista, as vítimas dos actos criminosos da Turma do Apito têm o direito de recorrem aos órgãos de direito, com vista à responsabilização dos seus infractores, bem como do seu mentor, Tomás Bica Mombundo.
Na visão do jurista, as vítimas dos actos criminosos da “Turma do Apito” têm o direito de recorrerem aos órgãos de direito com vista à responsabilização dos seus infractores, bem como do seu mentor, Tomás Bica Mombundo.
“A Turma do Apito é o reflexo da desestruturação das famílias que não têm o mínimo para sobreviverem”, diz sociólogo
O sociólogo Tiago Bernardo Tchingui, 56 anos, entende que, “se a marginalidade existe em todas as sociedades, a missão de combate aos marginais é das instituições ligadas aos órgãos de defesa e segurança de um país” que, para ele, “é a Polícia Nacional que, nas suas várias ramificações, tem a responsabilidade de abordar questões desta natureza. Agora, quando numa sociedade aquilo que devia ser a função e responsabilidade destes órgãos, passa a ser de uma instituição puramente administrativa ou política, significa alguma coisa não vai bem”.
Na visão do sociólogo, os jovens que são recrutados para, posteriormente, cometerem acções “marginais, agem na luta pela sobrevivência. O que se passa é que o princípio da psicologia social, segundo a qual se determina aquilo que é a necessidade do outro, em função disso é dado um incentivo para satisfazer as necessidades para, em contrapartida, ser obrigado a fazer o que você quer”, descreveu Tiago Tchingue.Acrescentou ainda que “o que está por detrás desta situação é a condição social difícil em que estas pessoas se encontram” que, na sua análise, “é uma situação social de desemprego, falta de formação e desestruturação das famílias. Hoje, passa-se pelos bairros de Luanda, por exemplo, encontra jovens destas famílias consideradas desestruturadas, cujos pais não têm mínimas condições para mandar os filhos à escola e o único escape tem sido o mundo da marginalidade”.
“Os traumas causados às vítimas podem durar o resto da sua vida”, diz psicólogo
O psicólogo Josué Candala defende o acompanhamento das vítimas da “Turma do Apito” e dos seus familiares, principalmente os menores de idade que terão presenciado torturas e assassinatos pela milícia. Na sua compreensão, os efeitos causados por estes atos criminosos resultam em traumas que se podem arrastar para o resto da vida do indivíduo e que, para tal, “existe a necessidade de um acompanhamento de especialistas”, disse.
De acordo com o psicólogo, o Estado não deve encarar de ânimo grau o comportamento do grupo em causa, combinados danos provocados são irreparáveis. Josué Candala defende a união da sociedade para que se coloque o fim a tais ações, que na sua percepção coloc em “verificar a estabilidade social das famílias”.