RAIMUNDO RICARDO: O SAQUEADOR NOCTURNO – (PARTE I)

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A associação cívica Laulenu, sediada no Moxico, tem estado a investigar os actos de corrupção, nepotismo e má gestão do orçamento da direcção provincial da Educação, Ciência e Tecnologia no Moxico. A investigação enquadra-se na campanha de monitoria do orçamento da província, com vista a combater a cultura de saque do erário por gestores públicos.

A nossa investigação descobriu os esquemas montados a partir da direcção provincial da Educação, Ciência e Tecnologia no Moxico, passando pela direcção provincial das Finanças, em conluio com empresários da província e funcionários bancários. Raimundo Ricardo é o director do gabinete desde Março de 2018. E sempre com a indispensável validação do governador provincial, Gonçalves Muandumba.

Com o subterfúgio de prestações de serviços à direcção provincial da Educação, Ciência e Tecnologia, Raimundo Ricardo ordenou pagamentos por serviços que nunca foram prestados. Em alguns casos – poucos, entretanto – os proprietários das empresas nem sabiam que as respectivas contas bancárias eram utilizadas por funcionários seniores da direcção da Educação e do banco estatal BPC.

Há dezenas de casos e as empresas utilizadas no esquema variam ao bel-prazer dos saqueadores. Nesse artigo passamos a descrever os pagamentos à empresa Feraires, Lda., a maioria feitos numa noite tranquila do ano passado.

Em dois dias, mais de 12 milhões de Kwanzas saíram da conta bancária da direcção provincial da Educação, Ciência e Tecnologia no Moxico, domiciliada no Banco de Poupança e Crédito com o IBAN AO60.0010.0001.0000.1000.0001.0, para a conta bancária da Feraires, Lda., empresa pertencente ao cidadão Fernando Jorge dos Santos Aires e seus quatro filhos, entre eles, Wilson Lucas dos Santos Aires. Criada em Junho de 2011, e com o capital social de 105 mil Kzs, a Feraires, Lda. é uma empresa tipicamente angolana – pode fazer tudo. Fernando Aires é mais conhecido localmente como o «Nando Daburra».

Às 21H29 do dia 24 de Abril de 2018, Raimundo Ricardo assinou a ordem de saque n.º 99 a autorizar o pagamento de três milhões, seiscentos e vinte e um mil, trezentos e vinte oito, sessenta e sete cêntimos de Kzs (3.621.328,67), a partir da conta da direcção no BPC, para a empresa Feraires, Lda.

Segundo a ordem de saque, os milhões seriam para “pagamento da transportação de materiais didácticos para os municípios de Kamanongue, Leua, Luacano e Alto-Zambeze”. Contactados, os chefes das respectivas repartições municipais e directores das escolas dos mesmos municípios garantiram não terem recebido quaisquer materiais didácticos durante o ano passado.

No mesmo dia e ao mesmo tempo, foi autorizada a transferência de dois milhões, setecentos e oitenta e um mil, duzentos e dezanove, noventa e dois cêntimos de Kzs (2.781.219,92) para a Feraires, Lda., conforme a ordem de saque n.º 97. O documento em nossa posse atesta que o valor destinava-se ao “pagamento de materiais de higiene e limpeza das escolas do Iº e IIº ciclo do município do Leua”. Mas igualmente o serviço não foi prestado, nem os materiais chegaram às escolas nesse ano.

A noite de 24 de Abril ainda não havia terminado. Raimundo Ricardo emitiu outra ordem de saque, desta vez às 21H55. Com o documento n.º 101 foi autorizada a transferência de um milhão, seiscentos e sessenta e um mil, duzentos e oitenta e nove, e setenta e um cêntimos de Kzs (1.661.289,71) para a conta bancária da empresa de Nando da Burra. Essa nova transferência teve como justificação o “pagamento de serviços de telecomunicações nos municípios de Cameia, Alto-Zambeze e Leua”.

Nos deslocamos então às respectivas repartições municipais. Não existe serviços de telecomunicações nos três municípios. Algumas repartições não têm sequer um computador, quanto mais serviços de internet.

“Nem temos telefone da repartição, como vão dizer que temos telecomunicações”, lamentou o chefe de uma das repartições.

Quinhentos e sessenta e três mil, cento e um, trinta e sete cêntimos de Kzs (563.101,37), no mesmo dia e mesma hora. Ordem de saque n.º 95 também com a assinatura de Raimundo Ricardo para a conta da Feraires, Lda. no banco BCI. Justificação: “Destina-se a pagamento de combustíveis e lubrificantes para as escolas dos municípios dos Luchazes”.

Deslocamo-nos à repartição municipal e falamos com directores das escolas. Não só não receberam combustível, como nem é possível receberem, pois nenhuma tem geradores sequer. E não há aulas no período nocturno.

A noite de 24 de Abril estava concluída. Quatro saques realizados com sucesso, na serenidade nocturna, trancado no gabinete, como uma raposa num galinheiro. Raimundo Ricardo, a raposa, estava cansado de saquear nessa noite e por isso fechou a “casa de papel”, deixando o resto para outro dia.

É assim que no mês seguinte, precisamente no dia 22, Raimundo Ricardo trancou-se no seu gabinete, desta vez quando eram 23H, e voltou a fazer “horas extras”, justificadas com duas ordens de saque. O documento n.º 103 autorizou a transferência de um milhão, setecentos e quarenta e oito mil, setecentos e vinte e cinco, e setenta e um cêntimos de Kzs (1.748.725,71) para a Feraires, Lda. Valores estes que, segundo o documento, eram destinados ao “pagamento de formação do seminário nos municípios de Leua, Alto-Zambeze e Luacano”. Em 2018 não se realizou “formação em seminário” nestes municípios, “tanto é que muitas vezes somos obrigados a nos deslocarmos das nossas áreas de trabalho até ao Luena só para participarmos de seminários”, disseram alguns professores.

Precisamente às 23H32, conforme indica a ordem de saque nº 131, foi autorizada a transferência de um milhão, setecentos e quarenta mil, seiscentos e dezoito Kzs (1.740.618,00) também para a empresa de Fernando Aires. O dinheiro destinava-se “para aquisição de combustíveis para geradores, viaturas e outras finalidades”. Portanto, o documento não especifica se o combustível que seria adquirido era para abastecer os geradores e viaturas do gabinete provincial de Educação, das repartições municipais ou de escolas.

Fernando Aires, como referido, é mais conhecido no Luena por Nando Daburra. Daburra é o nome que à época colonial os madeireiros portugueses atribuíram ao seu falecido pai – Bernardo António Aires. Com o “Daburra”, Fernando diferencia-se dos outros “Fernandos” da localidade. O mesmo sucede como o irmão Zé Daburra.

Com o propósito de compreender os pagamentos recebidos a partir da direcção provincial da Educação, Ciência e Tecnologia, a Laulenu foi ao encontro de Nando Daburra. Questionamos como pode ter recebido pagamentos por serviços que nunca prestou, e o empresário admitiu, sem titubear, em jeito de confissão, que realmente não prestou os serviços indicados nas ordens de saque mas que também não tinha explicações a dar quanto a utilização do dinheiro.

Fernando Aires indicou, entretanto, Telma Nair Gouveia Mana, chefe do departamento de Património, Estatística, Finanças e Recursos Humanos da direcção provincial da Educação, Ciência e Tecnologia, como a pessoa certa a dar a explicação.

Contactada, Telma Nair, por sua vez, garantiu desconhecer a execução dos trabalhos, mas reconheceu os pagamentos feitos pelo seu departamento por ordem de Raimundo Ricardo. Não sabe dizer o destino dado ao dinheiro nem a razão para não terem sido prestados os serviços. Recordou que o único serviço prestado pela Feraires, Lda. foi a título gratuito, que consistiu em trabalho de manutenção de passeios da direcção provincial da Educação, Ciência e Tecnologia.

Nos arquivos do gabinete provincial da Educação, Ciência e Tecnologia não existe registos de entregas dos produtos, muito menos contratos de prestação de serviços firmados entre a empresa Feraires, Lda. e o gabinete de Raimundo Ricardo.

Sob coordenação escrupulosa de Raimundo Ricardo, tão logo o dinheiro entra na conta bancária da Feraires, Lda., Fernando Aires levanta o dinheiro. “Ele prefere o dinheiro em mão. Não aceita que transfiram ou depositem nas suas contas. Assim não há rasto”, contou o proprietário de outra empresa usada no esquema.

Recentemente denunciamos outro esquema de apropriação indevida de carteiras escolares e viaturas pertencentes ao gabinete de Educação, Ciência e Tecnologia encontradas em sua residência particular.

No dia 30 de Julho reunimos, a seu pedido, com Raimundo Ricardo no colégio politécnico 243, mais conhecida por “Escola Oficina”, no Luena. Antecipando-se, o director provincial da Educação, Ciência e Tecnologia declarou-se inocente e pessoa íntegra que trabalha até sábado e domingo. À altura a investigação estava na fase final, tendo se apercebido e feito diligências para explicar-se pois “tudo tem explicação”.

Concluída, tentamos contactar por inúmeras vezes Raimundo Ricardo, sem sucesso. Essa é a primeira parte de uma vasta investigação no sector provincial da educação, e por isso o director terá a oportunidade para apresentar a sua versão a qualquer instante.

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