PRIVAÇÃO DA LIBERDADE: MÃES PRESIDIÁRIAS SOFREM PENA DUPLA
Comarca de Viana tem orfanato para acolher presidiárias com bebés de até três anos de idade
O espaço é diminuto e a liberdade cerceada. Mas as celas da unidade materno-infantil da Cadeia Feminina da Comarca de Luanda comportam o amor das presas pelos filhos ainda no ventre ou já nascidos dentro do cárcere.
Com apenas uma semana de vida, o pequeno e calmo Carlos mama com vontade, enquanto a mãe, sorridente, acaricia-lhe o cabelo macio. Pedro, de quatro meses, sorri, durante o passeio com a mãe, no colo desta, num pátio cujas paredes estão pintadas de cor-de-rosa. Guilhermina enche de beijos o filho que chora, por causa do susto que apanhou com o flash da máquina fotográfica. Mimos entre mães e os seus bebés, durante um dia tranquilo passado num casarão, onde ninguém gostaria de criar o filho: a Cadeia Feminina de Viana.
Ao longo do corredor, ouve-se o choro dos pequenos. No cimo das portas, estão estampados bonequinhos coloridos com dizeres como “Seja bem-vindo”. As paredes estão decoradas com desenhos de personagens infantis, como em creches.
O internato da Cadeia de Viana é uma área sem celas nem grades. As portas dos compartimentos permanecem abertas, dando acesso à casa dos brinquedos, ao berçário, à cozinha e às áreas para apanhar sol, ao espaço para ver televisão e ouvir músicas. No denominado “orfanato”, as crianças brincam e entendem-se no seu linguarejar infantil.
Os partos são realizados em hospitais públicos. Como previsto por lei, as prisioneiras que dão à luz não ficam mais algemadas.
O parto não pode ser acompanhado pelo marido ou por outro familiar, somente por uma agente carcerária. E, embora não sejam obrigadas, é na cela onde passam a maior parte do tempo. A mãe dorme numa cama de concreto sobre a qual tem um colchão. Para os bebés, existe um berço da própria penitenciária.
Celma, de 37 anos de idade, está presa porque foi encontrada com estupefaciente. Ela conta que entrou para o crime para ter dinheiro e poder dar melhores condições de vida aos filhos. “Queria comprar uma casa, mas me envolvi com as pessoas erradas”, revela.
Celma, cuja filha vai a caminho dos seis meses, ainda não foi julgada. Por isso, não esconde a tristeza pelo futuro da filha. “A convivência com a minha filha tem prazo para acabar. Na cadeia, os filhos só podem ficar com as mães até aos 3 anos. Tem um prazo.
Vou entregar a minha filha. Eu tenho muito medo. Medo de não ter ninguém para cuidar dela, porque não estou preparada para me separar da minha filha. Rezo para que não seja condenada e seja absolvida”, almeja a presidiária, que aguarda por julgamento. Anita apanhou 22 anos de cadeia, por fogo posto, e já está presa há um ano e seis meses. Ela também teme pela possibilidade de separação da filha, de dois anos.
“Não há preparação para a separação de um filho. Desde que ela fez dois anos, as minhas lágrimas caem noite e dia. Não estou preparada. A minha vontade mesmo é sair a correr com ela. Ficar com ela. Ter oportunidade de criar, de ser mãe. O problema não é estar presa. Isso eu consigo. Mas é voltar a ser mãe. Mãe não é só quem põe um filho no mundo, mas quem cria. E eu quero ficar anos e meses a cantar parabéns para ela; fazer um bolinho com os irmãos dela. É um sonho. É um sonho que acredito que vou alcançar”, diz a mulher, cheia de esperança.
A DOR DA SEPARAÇÃO
Após à despedida, é impossível tentar descrever o tamanho da dor. É das piores. Para elas, o foco, agora, é tentar aplacar a saudade e sonhar com o dia do reencontro fora das grades.
Nos últimos dias com a filha, Maria, de 24 anos, sofreu ao ver os dias a escaparem-lhe, até à chegada daquele em que a sua menina foi para longe e após o qual, muito provavelmente, nunca mais voltará a ouvir-lhe a voz a chamar-lhe mãe. “Tirar um filho dos braços de uma mãe é muito duro”, afirma, amargurada.
Joana, de três anos, deixou-a há duas semanas, para ir viver com a madrinha. A detida, que tem sido acompanhada de perto por uma psicóloga, diz que “não há tratamento que faça alguém aceitar a dor de perder um pedaço da vida”. Maria chora e diz: “o sorriso, na hora da partida, é o que me resta guardar, como lembrança, e vai servir de motivo forte para nunca mais cometer qualquer acto que me ponha atrás das grades”. A culpa e o arrependimento surgem geralmente à noite, acompanhados da insónia e das lágrimas. “Hoje, sei que foi uma ilusão fazer o que fiz. Hoje sei que a cadeia nunca foi nem será lugar para crianças”, afirma, por seu lado, Fernanda, que está há mais de dois anos presa.
Gina, de 30 anos, mãe da pequena Carla, também tem uma história para contar: “É triste, quando procuramos alguém, nem que seja um parente mais distante ou uma amiga, para cuidar da criança, quando estamos aqui. Todas somos gratas pela oportunidade de podermos presenciar os primeiros anos de vida dos nossos filhos e termos a possibilidade de as amamentar. Mas, por melhor que seja essa fase, nada ameniza a dor na hora da entrega do filho. Isso faz as mães reclusas olharem com tristeza para os filhos, com medo do futuro. Dói, só de pensar”.
Apesar de parecer que falta muito tempo para estar separada da filha, Gina afirma que todas as detidas com filhos pensam dia e noite no assunto e acham que essa é a maior punição.
“Todos os dias que deito a cabeça na almofada penso que o tempo está a passar muito depressa e que a qualquer momento me vão tirar quem me dá forças para continuar a viver. Amo o meu filho e não quero separar-me dele. Apesar dos conselhos que recebemos dos profissionais aqui, na cadeia, isso não me acalenta”, lamenta-se Gina.
Muito antes de ocorrer a separação física da mãe e do filho, as mulheres começam a ser preparadas psicologicamente, por estar comprovado que a situação é uma experiência angustiante para ambos e que pode, facilmente, conduzir a presidiária a uma depressão. Muitas delas foram abandonadas pela famílias e pelo marido. A dor das mães é real, porque não sabem se vão poder ver novamente os seus filhos.
*Nomes fictícios
Fonte: Jornal Luanda