ÓRFÃOS DO 27 DE MAIO: CARTA ABERTA À IMPRENSA PORTUGUESA
Introdução
Em Maio de 2017, assinalaram-se em Angola 41 anos do início de um terrível processo de repressão política que culminou na morte de largos milhares de angolanos. Resultou daí uma fractura social que perdura até aos nossos dias, pois vivemos numa sociedade que não conhece o paradeiro de milhares de jovens patriotas, que serviam e acreditavam no MPLA e que a partir de 27 de Maio de 1977, num intervalo que se arrastou por cerca de dois anos, foram engolidos pela máquina de terror comandada pelo primeiro Presidente de Angola. Em Maio de 2017 um Grupo de Jovens Órfãos dirigiu-se, em Carta Aberta a Sua Excelência o Ex-Presidente da República de Angola Eng. José Eduardo dos Santos, sem que tal missiva tivesse algum efeito sob deposta figura.
27 de Maio de 2017
SE NECESSÁRIO, LUTAR!
Caros Directores, Editores, Chefes de Redação e Jornalistas dos Órgão de Comunicação Social da República Portuguesa
No seguimento da Visita Oficial de Sua Exa. o Presidente da República de Angola a Portugal, Comandante João Lourenço, volvidos 70 anos da Declaração Mundial dos Direitos Humanos, nós, os órfãos do 27 de Maio de 1977, somos a solicitar a atenção de V. Exas., o Quarto Poder, a quem cabe, inclusive, a vigília do exercício da Liberdade de Expressão, em particular e a garantia dos pilares básicos das Democracias Mundiais, como o Pleno Direito e Acesso ao Cumprimento dos cânones da Justiça e dos Direitos Humanos, em particular.
Quarenta e um anos volvidos os inolvidáveis Crimes Contra a Humanidade no quadro de perseguições, delacções não provadas, torturas, assassinatos, fuzilamentos e a implementação de um Estado de Sítio em que os Cidadão Nacionais de Angola viram-se alienados dos seus Plenos Direitos e subjugados ao Terrorismo e Ditadura Político-Militar vigente, na então República Popular de Angola, até ao ano de 1979 .
Somos por isto a relembrar, retesar e não deixar cair em esquecimento, pois que uma parte dos filhos desses jovens combatentes somos nós, órfãos do 27 de Maio de 1977.
Passados 41 anos, não havendo qualquer explicação ou inquérito oficial do Estado Angolano sobre estes trágicos acontecimentos, estamos convictos da necessidade em dirigir a Vossa Excelência, pela primeira vez em conjunto, algumas palavras que expressam o nosso sentimento de profunda mágoa.
Na nossa memória permanecem bem vivas as conversas no seio das nossas famílias de que a sua nomeação em 1979 para Presidente da República iria abrir uma nova janela à esperança mais legítima: a esperança de que quem tinha ordenado e participado nas torturas mais bárbaras, no desaparecimento sistemático e nas execuções em massa entre 1977 e 1979, poderia ser julgado pelos seus crimes. Para além disso, a esperança de que seriam facultadas informações concretas aos familiares dos desaparecidos acerca do destino dado a estes.
As expectativas que depositaram em Vossa Exa eram de facto elevadas. Eram expectativas de quem o viu como um companheiro de luta dos nossos pais. De alguém que iria promover condições necessárias para o início de um julgamento que fosse justo e com todas as garantias e prerrogativas que foram negadas aos nossos pais. Tragicamente, 41 anos volvidos, somos confrontados com a memória dessa ferida e com a dura realidade de termos alcançado da Presidência da República e do Estado Angolano uma única coisa: o SILÊNCIO.
Essa parte do passado que foi o 27 de Maio de 1977 foi apagada da nossa história pela imposição forçada da amnésia colectiva. Das vítimas e das circunstâncias em torno da sua morte o país pouco sabe. Quando e como foram assassinados? Porque não tiveram garantias mínimas de defesa em tribunal, de maneira a responderem às acusações que lhes eram imputadas? Quem foram e onde estão os seus algozes? São perguntas como estas, entre muitas outras, que exigem ainda hoje um necessário esclarecimento. Diante destes factos, pretendemos evocar a memória das vítimas do 27 de Maio e apelar a Vossa Exa para que, em consciência, se digne diligenciar no sentido de que sejam tomadas medidas que visem:
- A constituição de uma lista com os desaparecidos do 27 de Maio;
- A realização de exames de ADN às ossadas das vítimas e a sua restituição às famílias para que lhes possam dar sepultura digna;
- A emissão de certidões de óbito e respectiva entrega às famílias, em conformidade com a declaração do Bureau Politico do MPLA datada de 26 de Maio de 2002;
- A criação em Luanda de um memorial de homenagem às vítimas;
- O reconhecimento civil dos progenitores de todos os órfãos no seu bilhete de identidade, em conformidade com a declaração citada no ponto 3.
A ferida do 27 de Maio de 1977 continua bem aberta pelo país. Definitivamente, será esta a derradeira ocasião que teremos para nos dirigirmos a Vossa Excelência enquanto órfãos deste tenebroso período. Colocados nesta condição há 41 anos atrás, entendemos que o destino de Angola vai estar totalmente ligado à compreensão e superação da sua história. Por isso, manteremos a nossa fé de que o país celebrará, em tempo útil, o passado digno daquelas mulheres e homens que, com lealdade à Pátria, procuraram edificar uma sociedade melhor.
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Hoje, como ontem, exigimos ser ouvidos, pelo nosso bom nome e pelo bom nome dos nossos pais, Nacionalistas de Angola. Para tal, demandamos que se abra imediatamente e sem retrocessos, o Diálogo, a assumpção da Culpa, o exercício da Justiça, o Perdão e Reposição Pública do bom nome daqueles a quem o Movimento Popular de Libertação Angola, a 27 de Maio de 1997, guilhotinou com sangue, pelas próprias mãos que conquistaram a Liberdade e armas que depuseram o Colonialismo, para todo o sempre as vidas dos nossos pais e com isso as nossas vidas, as vidas dos que são e virão a ser os nossos filhos: a vida daqueles que, por direito, lhes cabe ser parte na construção do Futuro de Angola.
Nada menos que o arrependimento, a confirmação e o pedido de desculpas público pode servir de começo para a reposição de tudo o que exigimos. E o que exigimos não é mais do que o inserir com verdade dos factos que marcaram profundamente a História pós-Colonial de Angola, que não começou só com delapidação dos bens patrimoniais e do erário público do nosso País, mas pelo assassinato e extinção do Valor Humano daqueles que poderiam ser hoje, e ter construído ontem, uma Angola de Todas e Todos Nós, para Todas e para Todos quantas e quantos seu solo viu nascer.
Lista de assinantes
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- Álvaro Nandajoy de Martina Rasgado