“O exército não serve para fazer a guerra das terras”, alerta coordenador da SOS Habitat

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André Augusto é o novo coordenador da SOS Habitat, organização cívica angolana que dedica-se à defesa do direito à habitação. O activista é o substituto de Rafael Morais. Alertando que os militares não devem ser usados em conflitos de terras, André Augusto é agora o novo rosto da SOS Habitat para as iniciativas que visam pressionar as autoridades angolanas a respeitarem as leis sobre o processo de expropriação de habitações e terra.

Em entrevista à Rádio Angola, centrada nas demolições que se têm registado em várias partes do país, com realce nos bairros Zango, situados no município de Viana, em Luanda, André Augusto começou por afirmar que “as demolições estão um pouco paradas” por causa da “aproximação das eleições”.

“É sempre assim quando se avizinham as eleições, mas retomam depois do voto no bolso”, lembrou.

Porém, uma unidade das Forças Armadas Angolana (FAA) permanece instalada no Zango para controlar os Zango 1, 2 e 3, região onde foi assassinado o adolescente Rufino no ano passado por um militar ao longo do processo de demolição de residências.

Para além de acautelar o realojamento condigno das vítimas de demolições, a SOS Habitat tem dedicado muita atenção ao processo de indemnização. Mediante acompanhamento e aconselhamento especializado, a organização tem levado as comunidades ao “centro político”, ou seja, à Casa Civil da Presidência da República, onde têm recebido garantias de que farão alguma coisa para que haja uma negociação aberta entre as autoridades e as comunidades lesadas.

“Não obstante a este encontro que tivemos com o alto funcionário da presidência, houve também cartas que dirigimos ao senhor governador provincial de Luanda e com a publicação por parte da imprensa da situação que ocorreu [referindo-se à demolição onde foi morto o adolescente Rufino] levou a que o governador visitasse por duas vezes a mesma área”, detalhou, realçando que foi a partir daí que as demolições naquela zona cessaram.

O certo é que, até ao momento, as famílias desalojadas na referida zona ainda não foram realojadas e muito menos indemnizadas. O que tem acontecido, segundo o coordenador, são “encontros de auscultações” com a Provedoria de Justiça e a Secretaria de Estado para os Direitos Humanos, “mas não há procedimento que vislumbra de que as pessoas serão realojadas ou indemnizadas”.

Por enquanto, a maioria das vítimas das demolições nos distritos urbanos Zango continuam a viver ao relento, sendo que outras estão em casas de familiares. Dentre as famílias que permanecem nas ruas, algumas, “para se proteger das intempéries, foram obrigadas a construir pequenas cubatas com destroços de blocos destruídos”.

“A situação é bastante difícil neste momento. Por exemplo na comunidade da Santa Paciência foram feitas demolições de casas de pessoas que são diminuídos físicos, que foram militares no tempo de guerra, e estas pessoas não têm dinheiro para fazerem as novas obras. Apesar das demolições pararem, a situação das famílias está cada vez pior porque as suas condições de vida foram reduzidas de mal ao pior. Já viviam mal por causa do problema de política de reenquadramento e reintegração de pessoas, e com essas demolições as pessoas foram reduzidas a zero, de maneira que não conseguem retomar a vida normal porque estão sem abrigo”, lamentou.

Quanto ao número de vítimas de demolições sob orientação directa ou conivência das autoridades angolanas, o coordenador André Augusto referiu que a SOS Habitat tem registado, desde 2002, mais de 500 mil pessoas “que passaram e ainda estão a viver isso na pele e no osso”.

Em alguns casos, quando se dá o realojamento, as casas atribuídas estão longe de equiparar-se às residências destruídas, como aconteceu com os populares que perderam as habitações na Chicala, no município da Ingombota e defronte ao mar, que foram colocadas em “casas evolutivas no Zango 3”. Estas “casas evolutivas”, explicou André Augusto, “são casas de um quarto, uma sala e um quarto de banho, sem mais outro espaço e o quarto é pequeno”.

Nestas situações, apesar do realojamento, a SOS Habitat não considera o realojamento como condigno, pois, para ser condigno, o processo deve passar por estudar as necessidades da família, avançou o coordenador.

“Se quisermos tirar uma família de uma zona para outra, primeiro devemos saber se a família é composta por quantos membros, aonde estudam os filhos e onde buscam os meios de subsistência, como vivem e a divisão na casa em que vivem, para que o governo ao criar as casas para a família contar com estes elementos todos. Mas o que tem acontecido é que não se cria os serviços na zona. Apenas se faz uma casa para morar e, em vários casos que assistimos, são casas pequenas. Tirando a casa para dormir, já não há nenhum serviço. Só depois é que o governo vai fazendo os serviços”, explicou.

Adiante, André Augusto exemplificou: “Por exemplo na questão do ensino: uma criança que estivesse a fazer a 1.ª classe for realojada com seus pais para o Zango, numa zona onde não tem escola, e o pai não tem dinheiro para pagar o colégio próximo onde a filha pode estudar, até se estabelecer uma escola lá, durante três anos, são três anos que essa criança perde. Se a previsão é de que esta criança poderia terminar o ensino médio com 17 ou 18 anos, só poderá terminar com 21 anos. Automaticamente, essa pessoa sofre o atraso da sua vida em todo o tempo”.

André Augusto apontou ainda um processo de desalojamento em curso na província do Cunene, especificamente no Curoca, onde mais de 5 mil pessoas estão em braço de ferro com um projecto privado.

As terras em questão pertencem a populares que se dedicam à pastorícia e cultivo. Para além disso, tanto os pastores como os agricultores residem nas mesmas terras. A entidade privada que quer “a todo o custo” as terras não indicou ainda outro espaço para os actuais possuidores das terras continuarem a exercer as suas actividades e ali habitarem.

Questionado sobre o que pensa que vai acontecer após as eleições constitucionalmente previstas para este ano, André Augusto foi categórico ao afirmar que “a situação poderá continuar”, fundamentando que isto se deve à falta de “vontade política capaz de inverter esse quadro”.

“Até agora continuamos a observar o uso de força contra os cidadãos. Para além daquele problema do Rufino, no bairro Walale, mas ainda agora, no dia 10, na comuna da Funda, um militar disparou contra um cidadão, ficou ferido, e o militar não foi chamado à polícia”, contou.

Sobre este caso, o coordenador acrescentou ainda que sete indivíduos permanecem presos na unidade militar 101 Brigada, localizada também na Funda.

“Se o problema da interferência dos militares na vida dos cidadãos nos conflitos de terra não se consegue resolver, como é que vamos ter a esperança de que temos um governo que um dia poderá resolver o problema de uma vez por todas”, questionou. “Só é possível se o individuo que está a liderar esse país conseguir compreender que o exército não serve para fazer a guerra das terras. Porque a tropa, para onde vai, tem um único objectivo: tudo que lhe aparece em frente é atirar e está a atirar contra cidadãos indefesos”.

O caso do adolescente Rufino continua a merecer atenção por parte da SOS Habitat, que conta agora com um advogado para proceder às indispensáveis diligências judiciais. Entretanto, André Augusto adiantou que as autoridades angolanas e a imprensa têm tratado o assunto com leviandade, que estão a transmitir a ideia de que a morte foi um acidente e não uma acção voluntária das forças militar no terreno.

Para além do assassinato de Rufino, vários direitos humanos foram violados ao longo das demolições onde ocorreu a morte do menor. André Augusto lembrou que durante o processo houve violações sexuais, morte de outras crianças esmagadas pelas residências demolidas.

“Os militares e algumas entidades ligadas ao caso negociaram com as próprias vítimas, umas foram intimidadas para não darem voz à imprensa, outras foram prometidas benesses. Em contrapartida, estas fogem à presença dos técnicos que foram ao terreno para descobrir o que terá acontecido. O que nos admiram é que em várias entrevistas que deram em primeira instância disseram ter acontecido isto, mas quando vamos ao terreno não conseguimos localizar as pessoas ligadas às vítimas”, disse pasmado.

Antes de terminar a entrevista, André Augusto deixou um recado ao governo angolano no sentido de “observar um pouquinho mais a nossa Constituição que diz que todos os cidadãos são iguais perante a lei, nenhum cidadão pode submeter-se a outro cidadão”, e encorajou ainda o respeito pela Carta Africana dos Direitos Humanos.

“Se não houver essa precaução estão a desconstruir o Estado. Quando maltratam o povo, estão a desconstruir o Estado, porque estão a maltratar a outra parte do Estado, a destruir o Estado democrático e de direito e estamos a caminho de criar um outro sistema de governo que não sei como poder considerar”, finalizou o recado.

Perguntas e sugestões podem ser enviadas para [email protected]. A Rádio Angola – uma rádio sem fronteiras – é um dos projectos da Friends of Angola, onde as suas opiniões e sugestões são validas e respeitadas.

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