“NÃO HOUVE MUDANÇA DE REGIME, O REGIME É O MESMO”, DIZ EX-ATIVISTA ANGOLANO

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Dezenas de exonerações de líderes históricos do MPLA, a abertura de processos judiciais contra camaradas e herdeiros de José Eduardo dos Santos e o combate à corrupção como bandeira marcam o primeiro ano de João Lourenço à frente dos destinos de Angola. Para Luiz Araújo, ativista dos Direitos Humanos no país entre 1999 e 2011 e crítico da atual governação, a “máquina” foi reparada mas continua a operar do mesmo modo.

Luiz Araújo tem 64 anos, veio de Angola para Portugal em 2011, quando o clima de ameaça contra o seu “ativismo estruturante” começou a tomar proporções perigosas. Desde então que acompanha a vida no país com um pé cá e outro lá.

“Não houve mudança, o regime é o mesmo”

Pode falar-se em mudanças para um futuro próximo em Angola ou é cedo?

É importante dizer que não houve uma mudança de regime, o regime é o mesmo. João Lourenço foi indicado por José Eduardo dos Santos. Acho que há interesse do próprio regime em que se estabeleça a confusão de que houve uma mudança. Não houve. João Lourenço diz que quer corrigir o que está mal, mas não há nenhum indício de vontade para corrigir o mal principal: a hegemonia do MPLA sobre o Estado. Todos os outros males, como a impunidade, a corrupção e o exercício de poder absoluto são efeito desse mal essencial.

Algum ponto positivo de destaque no primeiro ano da governação de João Lourenço?

Ainda não há. Para falar em pontos positivos, tenho de falar em efeitos na vida das pessoas. Em Angola, ainda há uma sociedade dual, pelo menos. Há uma sociedade muito rural, com a sua economia e a sua cultura. Vários grupos com várias etnias em todos os pontos do país. Existe uma parte mais urbana, que emigrou para as cidades e vive nas periferias nas piores condições ambientais, excluída do processo de desenvolvimento. E depois há uma elite ligada ao sistema moderno, ao Estado, aos sistemas financeiros, a um total desenvolvimento, que é um desenvolvimento separado. Mesmo que não declarado, é um apartheid. Como no tempo colonial, em que Angola produzia e a economia era saudável, mas era para os colonos, não era para o povo. Hoje, o que se passa é o endocolonialismo. A maior parte das pessoas tem uma posição de serventia no processo de desenvolvimento.

João Lourenço, que já era presidente da República, tornou-se recentemente líder do MPLA. A soma de poderes pode limitar a atuação independente das instituições?

É conforme o capricho e a orientação de João Lourenço que vão surgir mudanças. Não conforme as instituições. No combate à corrupção, por exemplo, ele não tem de fazer nada, só tem de permitir que as instituições competentes assumam a responsabilidade e ajam contra quem for que cometa crimes públicos. Ele só tem de deixar. Agora estamos à espera que o João Lourenço vá combater a corrupção?

A corrupção é aliás um estandarte de João Lourenço. É só propaganda?

É. É só revelador de que o regime não mudou. Um chefe é o chefe de tudo. E o que se vai fazer ou não é aquilo que esse chefe decidir fazer. Não é o que a norma legal estabelece.

E o afastamento do poder de líderes e pessoas próximas de José Eduardo dos Santos não é indicador de mudança?

Não me dá um indicador de mudança. Nos últimos anos da liderança de José Eduardo, a coisa estava mal e o MPLA começou a ver toda a gente a chegar ao limite. Houve uma degradação total da imagem moral do regime. E o que o João Lourenço está a fazer é corrigir o aparelho, aprimorar a máquina, colocando, nos lugares daqueles que exonerou, gente que vem do mesmo sistema, que nunca contestou esse aparelho, pelo menos publicamente.

A oposição continua a ter um papel inócuo?

A oposição e a sociedade civil têm uma postura de denuncia reativa. O governo faz isto e eles vêm gritar, mas não têm ação estruturante, cultura de resistência, articulação com os cidadãos para gerarem movimentos na sociedade. A oposição protesta, barafusta, mas depois toma posse. Diz que as eleições foram falseadas, mas depois estão lá, com as mordomias todas. Os partidos políticos são ornamentos da continuação do regime.

A economia angolana continua a assentar no petróleo. Quais são as alternativas?

Diversificação da economia. É preciso que o sistema económico e financeiro emerja do povo. Tem de haver “inputs” para a sociedade desenvolver, criar poder autárquico, regularizar o setor informal. Tem de se produzir alterações que levem as pessoas a crescer, tendo em conta a sua cultura e hábitos, porque as pessoas não podem corresponder imediatamente àquilo que é uma economia moderna. E deve haver instituições com essa competência, absolutamente despartidarizadas, sem estarem integradas nesse quadro da hegemonia do MPLA.

E está a fortalecer as relações internacionais para catapultar a economia…

Ele anda a fazer jogos. É legitimo. Com os recursos que tem na mão e a sua inteligência, está a jogar. Foi à China buscar muitos milhões. Mas ele sabe que esses parceiros estão a jogar pela realização dos seus interesses.

Agora com o caso Manuel Vicente entregue à justiça angolana e a visita de António Costa, as relações entre os dois países podem melhorar?

Sim, é possível que tenha sido criada alguma sinergia, principalmente no que diz respeito aos empresários portugueses. Portugal é essencial para Angola, por causa da relação histórica e da língua. E Angola é um mercado de exportações importante para Portugal. É bom que haja essa relação mas é bom também que António Costa saiba que está a ir para um país que é dual. Portugal, além de apoiar empresários, devia apoiar a sociedade civil, comerciantes e associações para irem trabalhar com as comunidades, com crianças, com grupos vulneráveis, para estimularem a formação escolar. O governo português devia apoiar tanto isso como os empresários, que dão lucros imediatos. Porque isso dá lucros a prazo.

Fonte: Jornal de Notícias

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