Joel Leonardo acusado de ter desviado 110 milhões de kwanzas para contas da sobrinha
A Procuradoria-Geral da República (PGR) enviou, no passado dia 18 de Abril, um segundo relatório ao Presidente João Lourenço, fazendo o ponto de situação dos avanços do processo NUP 9240/2023 DNIAP, que investiga alegadas práticas de corrupção envolvendo o juiz-conselheiro presidente do Tribunal Supremo, Joel Leonardo.
Ao contrário do documento anterior, datado de 30 de Março do corrente ano, no novo relatório, a PGR apresenta o mapa das movimentações bancárias, ilustrando como Joel Leonardo desviou, entre o período de 2021 e 2022, mais de 421 milhões de kwanzas, para contas de empresas de membros da sua família.
Os fluxos financeiros foram realizados a partir da conta bancária n.º 1139557/10/002, IBAN AO06 0005 0000 0113 9557 1029 4, titulada pelo Tribunal Supremo no Banco de Crédito e Indústria (BCI), desde 23 de Dezembro de 2021.
O Club-K avança que, os documentos em posse de João Lourenço dão conta que, para além dos 37 milhões de kwanzas de transferências irregulares que Joel Leonardo desviou para a empresa ULONGUIÇO, LDA (que significa professor, na língua umbundu) — pertencente à sua sobrinha e antiga financeira Irina Gomes Martins Apolinário —, o presidente do Supremo fez igualmente pagamentos, através de ordens de saque, no valor de 70 milhões de kwanzas para a mesma empresa.
No total, a ULONGUIÇO, LDA beneficiou de 110 milhões de kwanzas desviados das contas do Tribunal Supremo.
Pelo pagamento dos 70 milhões de kwanzas, que só agora foram descobertos pela PGR, o presidente do Supremo alegou — de acordo com as referências contidas nas facturas a que o Club-K teve acesso — que a ULONGUIÇO, LDA prestou serviços de manutenção de jardinagem na sede do Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ).
Em relação ao pagamento de 37 milhões de kwanzas, as facturas emitidas pela empresa dão conta de alegados serviços de limpeza prestados no edifício do Tribunal Supremo.
De acordo com investigações do Club-K, tanto os serviços de limpeza, como os de manutenção dos jardins nunca foram realizados, o que leva à conclusão de que se tratou de uma simulação para que Joel Leonardo desviasse fundos públicos para a empresa do seu círculo familiar.
Para além da empresa da sua sobrinha (ULONGUIÇO, LDA.), Joel Leonardo tem no Tribunal Supremo outras empresas que alegam prestar serviços de limpeza e de jardinagem no mesmo edifício.
Constam deste leque de empresas a MAIVA – Gestão e Investimentos, Lda — empresa controlada por Valdano de Jesus Humberto Canjinji — sobrinho da esposa do presidente do Tribunal Supremo, Isabel Leonardo; a IMPORLAB, Lda., detida pelo seu sobrinho Silvano António, e a Daniel Comercial, Lda., levada pelo primo de Joel Leonardo, Isidro Coutinho João, para o alegado “fornecimento de unidades de climatização” para a sede do futuro Cofre Geral dos Tribunais (CGT), no edifício CIF em Luanda.
A julgar pelo conteúdo do relatório enviado ao Presidente da República, a PGR não tem dúvidas de que há indícios que o presidente do Tribunal Supremo cometeu crimes de enriquecimento sem causa, peculato e abuso de confiança.
Pagamentos de despesas de condomínio
Enquanto juiz presidente do Tribunal Supremo, Joel Leonardo tem direito a regalias e a um salário de 3. 484.914, 50 kz (três milhões, quatrocentos e oitenta e quatro mil e novecentos e catorze kwanzas e cinquenta cêntimos), incluindo despesas de representação, atavio, estímulo, vencimento base, descontos sociais, e renda de casa (Kz 250 000).
Nas investigações levadas a cabo pela PGR, foi descoberto que, mesmo tendo estas regalias, o juiz Joel Leonardo usou fundos do Tribunal Supremo para pagar, anualmente, 13 428 600 (13 milhões, quatrocentos e vinte e oito mil e seiscentos kwanzas), a favor da empresa VERENAPOL, a pretexto de que os mesmos serviriam para o pagamento da prestação de “serviços de manutenção” da sua residência no Condomínio Boa Vida.
A empresa VERENAPOL é detida pelo Grupo Boa Vida, pertencente ao empresário angolano de origem polaca Tomasz Dowbor. A ligação de Joel Leonardo ao grupo empresarial, que também fornece viaturas ao Tribunal Supremo, deve-se a um primo e assessor seu, que atende pelo nome de Carlos Salombongo, mas que também actua como advogado da sociedade comercial.
Neste segundo relatório, os magistrados da PGR dão nota ao Presidente João Lourenço de que as despesas de “serviços de manutenção” do condomínio Boa Vida, onde o juiz Joel Leonardo, reside, não devem ser mais assumidas pelo Tribunal Supremo, visto que ele dispõe de um salário que cobre estes gastos.
Por isso — acrescentam os magistrados encarregues de investigar o ‘caso Joel Leonardo’ —, consideram que, com estes todos desvios de fundos, o responsável máximo da corte suprema cometeu o crime de peculato, previsto e punido pelo artigo 405.º, do Código Penal de Angola.
O Club-K sabe que a PGR se prepara para, nos próximos dias, enviar um terceiro relatório ao Presidente da República, dando nota da situação das investigações realizadas nas últimas duas semanas, a fim de saber se João Lourenço já se sente convencido de que Joel Leonardo deva ser constituído arguido, convidando-o, à semelhança do que fez com a ex-juíza presidente do Tribunal de Contas Exalgina Gambôa, a demitir-se e, por outra, ser expulso da Magistratura, por práticas de corrupção.
Numa recente entrevista ao Canal France24, o Presidente João Lourenço reafirmou o “contínuo combate à corrupção como uma das principais bandeiras do executivo angolano”.