Fome continua a afectar famílias no centro e sul de Angola

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A fome em várias parte de Angola continua a ser uma realidade, como exemplificado em Benguela, onde famílias continuam à procura de alimentos em lixeiras, ao mesmo tempo que a Rede de Sistemas de Alerta Prévio contra a Fome (FEWS NET) alerta que a situação de fome no sul do país se poderá agravar, avança a Voz de América, em Benguela.

Com efeito, aquela organização avisou que 20% das famílias no sul de Angola deverão continuar numa situação de crise alimentar, devido a colheitas abaixo do normal, poucas oportunidades de trabalho e altos preços alimentares que mantêm o poder de compra muito baixo, especialmente nas províncias da Huila, Cuando Cubango e Cunene.

A rede disse que a quantidade de chuva caida até Fevereiro está entre os 55 e 85%, abaixo da média dos últimos 40 anos, e significativamente abaixo da média na Huila, Cunene e Cuando Cubango, resultando em perspectivas e colheitas medíocres.

A organização avisa que os preços de produtos básicos deverão continuar a aumentar, devido às projectadas colheitas abaixo da média e aumento dos custos de transporte devido à redução dos subsídos de combustiveis.

Em Benguela, dezenas de famílias carentes procuram alimentos descartados pela empresa Carrinho, algo visivel quase diariamente, e que é descrito como exemplo de uma degradação sem precedentes da situação humanitária em Angola, um dos países com a crise menos reportada em 2023, segundo a organização CARE.

A Carrinho tem já um acordo firmado para oferecer alimentos, mas a população não abdica das sobras de produtos descartados e queimados, ainda que tenha de enfrentar a fiscalização da Polícia Nacional.

José Pessele, um jovem engraxador de 25 anos, levou a sua esposa ao denominado bairro João Lourenço, onde se encontra o complexo industrial daquela que é a maior empresa nacional no ramo alimentar, em busca de sobras de arroz, soja, milho e feijão num espaço onde são enterrados e queimados produtos expirados.

Com a graxa, ele factura diariamente pouco mais de 1.000 Kwanzas, menos de dois dólares americanos, valor insuficiente para adquirir alimentos, no bairro que tem o nome do Presidente da República.

Daí que tenha de abandonar as escovas e a pomada sempre que se junta às demais famílias carentes. “Consegui um bocadinho de milho, trigo e arroz, fui com a esposa apenas para procurar qualquer coisa para comer. Há muita gente lá que luta no fogo por causa da fome”, sublinha José Pessele, acrescentando que “a autoridade aparece lá. Mas o povo é muito teimoso, tenta algo para sobreviver”.

O Instituto de Defesa do Consumidor (INADEC), em reacção a esta situação recorrente, já veio a público esclarecer que as empresas do ramo alimentar observam os parâmetros, lamentando a inexistência de aterros sanitários, locais mais seguros para operações de queima de alimentos deteriorados, e não as lixeiras controladas.

Isto acontece numa altura em que a Carrinho estabelece com a Igreja Evangélica Congregacional de Angola (IECA) um acordo para a distribuição de alimentos que se encontrem perto do prazo limite para o consumo.

O administrador não executivo, Samuel Candundo, à frente de uma iniciativa que culminará com a criação da Fundação da Família Carrinho, diz ter noção do quadro vigente no país.

“Isto pode ser com o arroz, o óleo, a fuba e o feijão, como agora está a acontecer. Todo o produto que transformamos aqui e que esteja próximo de expirar, nós não deixaremos. Faremos com que tudo seja entregue às pessoas que necessitam”, explica o gestor.

Benguela, Huambo e Bié são as províncias beneficiárias desta ação.

Em outros pontos do país, a Plataforma Sul, depois de uma recente jornada de trabalho até à vizinha Namíbia, confirma que a falta de chuva, as pragas que destroem a pouca cultura existente e a falta de condições para o repatriamento impõem a declaração de estado de emergência.

“Quando nós avisávamos que a fome vai atingir muitas famílias, ninguém nos ouviu. Está aí o resultado. A nível nacional já não são só os coitados dos doentes mentais e comer no lixo, são famílias”, disse o padre católico, Pio Wacussanga.

“Daqui a dez anos, todos nós, e desculpem a comparação, vamos comer nos contentores”, acrescentou o padre católico para quem sem um “programa de investimento no cidadão para ele se sustentar, mesmo que o cidadão tenha as suas lavras, o estado não incentiva”.

Num relatório com o título “quebrar o silêncio”, a organização CARE refere que em Angola há cerca de 7,3 milhões de pessoas que precisam de ajuda humanitária e que apenas 28% da população rural tem acesso a água potável.

Dados avançados na última semana pela ministra do Ambiente, Ana Paula de Carvalho, indicam que a seca afecta 8 por cento da população do sul do país.

VOA

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