Detenção de russos da Wagner no Tchad: Paralelismo com Angola – José Gama

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Entre os dias 19 e 24 de setembro de 2024, os serviços secretos do Tchad prenderam três cidadãos russos que chegaram ao país para o lançamento de um centro cultural russo. Entre os detidos estavam Maxim Shugaley e Samer Sueifan, que se apresentavam como “sociólogos”. O terceiro detido, Dzenisevich, é na verdade cidadão bielorrusso.

Shugaley é presidente da ONG russa “Foundation for the Defense of National Values” (FDNV), colocada na lista negra dos EUA por ser identificada como o braço de relações públicas e propaganda do extinto Grupo Wagner, do falecido Yevgeny Prigozhin.

De acordo com a VOA, a inteligência militar do Tchad acusou Shugaley e Sueifan de tentarem infiltrar-se nos serviços de segurança tchadianos, realizarem operações de influência política e estarem envolvidos em actividades de espionagem ligadas ao Grupo Wagner. Em paralelo a estas detenções, foram também encarcerados dirigentes de partidos da oposição do Tchad, incluindo Robert Gam (Secrétario Geral) e Abakar Tourabi (financeiro) do Partido Socialista Sem Fronteiras.

A 16 de novembro, após quase dois meses de detenção em Ndjamena, a embaixada da Rússia no Tchad anunciou, na sua página do Facebook, que os três estrangeiros tinham sido libertados. Três meses depois, o presidente de transição do Tchad, general Mahamat Idriss Déby Itno, viajou para a Rússia a convite do presidente Vladimir Putin, ultrapassando o mal-estar entre os dois países.

De acordo com antecedentes, uma reportagem da RFI refere que tanto Shugaley como Sueifan também já foram presos na Líbia, em maio de 2019, acusados de interferência eleitoral em nome da Rússia. Foram libertados após 18 meses de cativeiro. Ao regressarem a Moscovo, a empresa Concord, de Prigozhin, pagou-lhes quase 500 mil dólares como gesto de reconhecimento ou compensação pelos riscos enfrentados. Presentemente, Shugaley encontra-se sancionado pela União Europeia por espalhar propaganda e desinformação em nome do Grupo Wagner.

No passado dia 8 de agosto, as autoridades angolanos anunciaram também a detenção de dois cidadãos russos: Igor Racthin, de 38 anos, e Lev Lakshtanov, de 64 anos, cusados de terrorismo, organização criminosa e de serem suspeitas de fazerem parte de uma rede internacional especializada em desestabilizar governos africanos.

À semelhança do que aconteceu no Tchad, os dois cidadãos, chegados a Luanda em data incerta, invocaram nos seus contactos a intenção de criar uma associação ou centro cultural. Contactaram Oliveira Francisco “Buka Tanda”, de 32 anos e antigo estudante na Rússia, a quem propuseram ser o líder da futura associação. Este declinou o convite alegando incompatibilidade com as suas funções políticas na juventude da UNITA, mas recomendou o nome de Caetano Agostinho Muhongo Capitão, 58 anos, professor universitário do ISCED, para presidente da associação.

Lev Lakshtanov, que estabeleceu os contactos, fala fluentemente português e viveu vários anos no Estado de Santa Catarina, no Brasil, com a esposa Lena e o filho brasileiro Anton. As autoridades angolanas apontam-no como ligado à “Africa Politology”, considerada pelos EUA como uma das principais plataformas de desinformação e propaganda do Grupo Wagner no continente africano. Enquanto o extinto Grupo Wagner actuava na esfera militar e de segurança, a Africa Politology actua(va) no campo político e informativo.

O objetivo de abrir associações culturais em África é explicado numa dissertação da Universidade de São Petersburgo, de 17 de abril de 2015. O documento revela que em 2013, a Rússia adotou o chamado “soft power” e “diplomacia publica” como parte da sua política externa, como um conjunto de ferramentas não militares que utiliza a sociedade civil , comunicação , cultura e métodos alternativos a diplomacia tradicional.

Apesar da formulação recente, o conceito já vinha sendo aplicado antes. Em 2002, foram criadas organizações como a sociedade de amizade com o Brasil (em Moscovo) e a FAROL, voltada para países lusófonos (em São Petersburgo), promovendo cooperação cientifica, cultural e empresarial.

Voltando ao Tchad. Em depoimento às autoridades, quando o caso veio a público, Olivier Monodji, jornalista do Jornal local Le PAYS que fora acusado de ligação à rede relatou ter sido contactado por dois indivíduos, entre agosto e setembro de 2024, que se apresentaram como jornalistas bielorrussos hospedados no Hotel da Amizade. Segundo Monodji, os estrangeiros manifestaram interesse em estabelecer parceria com o jornal Le PAYS e abrir uma agência de comunicação no país. O jornalista que também corresponde para a RFI afirmou que recebeu os visitantes cordialmente e pediu detalhes sobre a proposta. Os bielorrussos explicaram que pretendiam formar profissionais locais, fornecer equipamentos ao jornal e, em troca, publicar artigos da sua autoria. O jornalista recomendou que formalizassem a proposta por escrito para avaliação da equipa editorial.

Dias depois, os russos alegaram que a parceria estava a demorar e solicitaram a publicação imediata de artigos. O jornalista respondeu que, nesse caso, seriam tratados como publireportagens e sujeitos a pagamento. Os artigos foram entregues e publicados, e os visitantes foram encaminhados para outros meios de comunicação online, escolhidos por eles próprios.

Em Março deste ano Olivier Monodji, e mais dois foram presos no mesmo contexto. Foram ac usados de terem colaborado com o grupo Wagner e de “serviços secretos com o inimigo, ataque a instituições e conspirações”. A direção da RFI, teria reagindo publicamente dizendo que as acusações contra Monodji não se enquadram em delitos de imprensa.

No caso de Angola, os russos manifestaram interesse na produção de entrevistas com algumas personalidades em Luanda e na realização de um inquérito junto de jovens universitários para recolher opiniões sobre a futura associação. Oliveira Francisco “Buka Tanda” sugeriu para esse trabalho o seu primo, Emiliano Carlos Tomé, jornalista e dono de uma produtora de conteúdos mediáticos. No total, gastaram cerca de dois milhões de kwanzas nos trabalhos solicitados. Carlos Tomé recebeu cerca de 800 mil kwanzas pela consultoria.

Os russos também pediram a Oliveira Francisco “Buka Tanda”, da JURA, que os apresentasse a dirigentes da UNITA, mas esses encontros nunca se realizaram, apesar de este ter informado o líder da organização juvenil, Nelito Ekuikui, sobre a aproximação.

Na segunda-feira, dia 11, durante os interrogatórios, as autoridades focaram-se em saber se os russos chegaram a contactar diretamente a direção da UNITA. Nesse mesmo dia, Caetano Agostinho Muhongo Capitão foi libertado, mas os outros dois detidos tiveram negado o pedido para responderem em liberdade.

No dia seguinte, o juiz de garantias Kerson Cristóvão de 38 anos, decretou, a prisão preventiva dos dois arguidos angolanos “acusados de terrorismo e financiamento do terrorismo”. Segundo o despacho judicial, a medida foi considerada necessária e proporcional à gravidade dos factos, tendo em conta o risco de fuga, a possibilidade de perturbação da investigação, o perigo para a recolha e preservação de provas e a ameaça de continuidade da alegada atividade criminosa. Para o magistrado, “a prisão preventiva impõe-se como medida adequada para salvaguardar a ordem e a tranquilidade públicas”.

CK

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