Cidade da China em Luanda suspeita de actos criminosos graves sob olhar silencioso das autoridades – António Migiel Sambonje
O nome de Jack Huan, amplamente referido por vários dos seus compatriotas, é apontado como o verdadeiro “barão” por detrás dos esquemas criminosos que se desenrolam há anos no interior da Cidade da China, no município de Viana, em Luanda.
Instalado como figura central no funcionamento do centro comercial, Huan é descrito por testemunhas como o homem que tudo sabe e tudo controla. Uma expressão recorrente entre os funcionários do local resume bem o ambiente: “Ninguém entra na nossa casa sem sabermos o que carrega na mochila.”
A metáfora é clara: nada acontece sem o conhecimento ou o consentimento do dono. E a questão continua a ecoar, de forma cada vez mais inquietante: quem o protege?
Rede criminosa sob disfarce comercial
A Cidade da China, tida inicialmente como uma solução de dinamização comercial em Viana, tornou-se com o tempo num território quase autónomo dentro da capital.
Um verdadeiro ecossistema paralelo, com alojamentos, lojas, hotéis e áreas de difícil fiscalização, onde as leis da República parecem não ter pleno efeito.
A recente operação conjunta do Serviço de Investigação Criminal (SIC) e do Serviço de Migração e Estrangeiros (SME), realizada no passado dia 19 de Julho, resultou na detenção de 68 cidadãos estrangeiros — entre chineses e vietnamitas — no Hotel Bay Day, situado dentro do mesmo complexo. Durante a intervenção, as autoridades encontraram jovens entre os 17 e os 23 anos, em condições de exploração sexual, privadas de liberdade e com documentos retidos.
Foram ainda apreendidos 52 passaportes, cartões de residência, seringas, materiais ligados ao consumo de drogas e outros indícios das práticas de lenocínio, tráfico humano e escravidão moderna.
Em 2020, Jack Huang esteve preso pelos crimes de tráfico de drogas, falsificação de moeda estrangeira (dólar) e violação de uma menor de 14 anos de idade, ficou apenas um mês na cadeia, afinal quem está por detrás deste homem intocável ?
Segundo fontes do SIC, trata-se de uma das maiores redes transnacionais de tráfico de pessoas desmanteladas nos últimos cinco anos em Angola, com ramificações que envolvem agências de “recrutamento” no Vietname e na China, intermediários angolanos e funcionários corruptos em diferentes níveis da administração pública.
Histórico de denúncias ignoradas
Apesar da gravidade dos factos, esta não foi uma ocorrência isolada. Desde 2023, o SIC tem vindo a desmantelar redes semelhantes em outros pontos de Luanda, com epicentro na Cidade da China.
As denúncias incluem prostituição forçada de mulheres vietnamitas, cárcere privado, trabalho escravo e subornos a autoridades migratórias e fiscais.
Em Julho de 2024, a Inspecção-Geral do Trabalho (IGT), em colaboração com o Ministério da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social, levou a cabo a Operação Trabalho Digno, que revelou condições laborais desumanas em mais de 400 lojas no centro comercial.
Segundo o relatório da IGT, havia trabalhadores a cumprir jornadas superiores a 16 horas diárias, sem contratos de trabalho, sem acesso à assistência médica, e com salários inferiores a 30 mil kwanzas mensais. Muitos dormiam em armazéns, cozinhas improvisadas ou até na rua, por falta de condições de transporte.
Testemunhos da escravidão moderna
Relatos de trabalhadores reforçam a realidade sombria. Damião Simão, segurança há quatro anos na Cidade da China, descreve um sistema de controlo e vigilância: “Quem reclama perde o emprego. Ficam com medo. Os próprios chefes dizem que se não gostarmos, há sempre outro para nos substituir.”
Já Euclides Fernando, ajudante de loja, revela: “Ficamos aqui porque o salário não cobre transporte. Dormimos em cima de caixas. Quando estás doente, descontam-te do salário como se fosses culpado”.
As vítimas não são apenas estrangeiras. Estima-se que mais de 600 angolanos estejam actualmente sob condições de trabalho forçado ou semi-escravidão em lojas e armazéns do complexo.
Cumplicidade e omissão institucional
Apesar dos sucessivos alertas e operações pontuais, nenhum dos gestores de topo foi até agora formalmente responsabilizado. Nenhuma loja perdeu a licença. Nenhum processo-crime contra os verdadeiros líderes da rede foi tornado público.
Angola permanece classificada no nível 2 do Relatório Global de Tráfico de Pessoas, elaborado pelo Departamento de Estado norte-americano, o que indica esforços mínimos do Estado para combater o problema. Organizações da sociedade civil, como a Associação Justiça e Dignidade Social e o Projecto Esperança, exigem:
- A revogação imediata das licenças de exploração comercial da Cidade da China;
- A responsabilização criminal dos gestores locais e intermediários públicos;
- O repatriamento digno das vítimas estrangeiras e a protecção efectiva das vítimas nacionais.
E a pergunta persiste: quem está por trás do escudo?
Enquanto Luanda lidera os indicadores de violações sexuais a menores, e o tráfico de pessoas se alarga para zonas como o Kikuxi, o Golf II e o Zango, as estruturas de fiscalização aparentam estar capturadas, silenciosas ou cúmplices.
Quem sustenta este sistema?
Quem protege Jack Huan?
Quem se beneficia do silêncio?
Fonte: CK

