Caso Isabel dos Santos: “Justiça portuguesa instrumentalizada pela PGR de Angola”
Por DW
Analistas saúdam arresto de bens da empresária em Portugal, mas há quem fale em acerto de contas mal feito”. Isabel dos Santos acusa justiça angolana de provocar “danos injustificáveis” às empresas portuguesas.
“Arrestar não só os bens pessoais, como o produto de contas bancárias, mas os ativos que constituem o império económico e financeiro de Isabel dos Santos em Portugal, como a NOS, o EuroBic ou a Efacec, é fundamental para começar a desmontar este império sujo que Isabel dos Santos criou com enorme cumplicidade das autoridades políticas e regulatórias portuguesas”. É desta forma que João Paulo Batalha, presidente da direção da Associação Cívica Integridade e Transparência, comenta a recente decisão da justiça portuguesa, tomada em março, de congelar as participações da filha do ex-Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, em empresas como a NOS e Efacec.
Para João Paulo Batalha, este é um passo importante para evitar que Isabel dos Santos fuja com o referido património e se ponha a salvo da justiça, quer portuguesa quer angolana. Em janeiro deste ano, as autoridades angolanas solicitaram a colaboração da justiça portuguesa para o arresto das participações que Isabel dos Santos detém nas sociedades NOS, Efacec e no Eurobic, como via para obter garantia de retorno patrimonial de 1,2 mil milhões de dólares (cerca de 1,15 milhões de euros).
Também o jornalista angolano Orlando Castro louva a atitude. No entanto, o editor do Jornal “Folha 8” considera que este é um imbróglio que não consegue separar o que é da justiça e o que é da política: “De certa forma, a justiça portuguesa está a ser instrumentalizada pela PGR [Procuradoria Geral] de Angola, porque, por exemplo, em Angola, as empresas da Isabel dos Santos não estão a sofrer um tratamento nem sequer aproximado do que a justiça portuguesa está a fazer com as suas empresas”, nota.
Tratamento desigual
Esta quarta-feira (15.04), a Winterfell, empresa de Isabel dos Santos que controla a Efacec, acusou a justiça angolana de provocar “danos injustificáveis” às empresas portuguesas e estar a usar indevidamente a justiça em Portugal para “fins não legais e desproporcionais”. Em comunicado citado pela agência Lusa, a empresa salienta que a justiça angolana, além de ter arrestado bens num valor superior ao suposto crédito reclamado a Isabel dos Santos (1,1 mil milhões de euros), dá um tratamento diferente a empresas portuguesas e angolanas, solicitando medidas judiciais em Portugal que não foram aplicadas em Angola.
Como exemplo, a Winterfell lembra que, em Angola, “o procurador não solicitou o bloqueio das contas das empresas, nem impediu que fossem pagos salários, rendas, impostos, água e luz”, enquanto em Portugal “pediu o bloqueio das contas, impedindo-as de operar e forçando a sua insolvência, levando ao despedimento de uma centena de trabalhadores”, situação agravada pela crise decorrente da pandemia de covid-19.
Para Orlando Castro, “a PGR angolana deu um passo maior do que a perna e agora não sabe como é que há de descalçar a bota. E, portanto, está de alguma forma a tentar que a justiça portuguesa faça o trabalho que a PGR angolana não consegue fazer”.
O analista considera que “o próprio processo movido contra a engenheira [Isabel dos Santos] é um processo juridicamente mal feito e que politicamente tenta mostrar uma realidade que, de facto, não corresponde aos factos” e vai mais longe: “Quer o Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa, quer a justiça portuguesa, em geral, não têm a noção de que este é um caso político, um acerto de contas mal feito por parte da PGR angolana”.
Investigar cumplicidades
É esperança de João Paulo Batalha que seja possível devolver ao povo angolano grande parte dos ativos desviados, mas considera também fundamental investigar a origem da fortuna de Isabel dos Santos e os crimes de corrupção, de favorecimento e de branqueamento de capitais que eventualmente lhe são imputados, respetivamente em Angola e Portugal. O presidente da Integridade e Transparência considera que a justiça portuguesa continua a agir de forma tímida e pede mais investigação sobre as cumplicidades políticas e económicas que permitiram à filha primogénita de José Eduardo dos Santos ser tão bem recebida em Portugal e acumular o seu vasto património.
Em causa, afirma,estão “as responsabilidades não só de Isabel dos Santos, mas de toda esta rede que a ajudou a montar todo este império e que continua provavelmente ativa no apoio a outras altas figuras do Estado angolano”, também elas com fortunas de origem suspeita ou desconhecida e que continuam a fazer negócios e a trazer para Portugal muita riqueza acumulada de forma suspeita.
Recentemente, a plataforma Projeto de Investigação ao Crime Organizado e Corrupção (OCCRP, sigla em inglês), revelou que mais de uma dezena de entidades de influência da elite angolana e seus familiares usaram o sistema bancário para desviar centenas de milhões de dólares para fora do país, incluindo companhias alegadamente associadas a Isabel dos Santos.