ANGOLA FOI ALVO DE «BURLA» NO CASO DA DÍVIDA À RÚSSIA
Relatório da Mãos Livres, na posse do BNA, fala num estratagema que custou a Angola 206 milhões de dólares do valor pago à Rússia através de intermediários como o empresário Pierre Falcone.
A Rússia, tal como noticiou o semanário Expansão na edição de 11 de Maio do corrente, citando a dívida pública externa referida no “Prospecto Preliminar” do Ministério das Finanças, é o terceiro país a quem Angola mais deve, um total de 1,8 mil milhões de dólares americanos, dívida que supera os 1,5 mil milhões que o país devia à Federação Russa até 2006, quando Angola pagou entre 1,573 milhões e 1,779 milhões de dólares à entidade à qual recorreu para intermediar o negócio da dívida. Ou seja, mais do que era previsto na dívida.
Os números somados e as provas reunidas num documento a que o Novo Jornal teve acesso não batem certo, mas sobre o assunto Angola nunca veio a terreiro manifestar qualquer suspeição sobre a forma como a sua dívida foi negociada e como foi possível passar da condição de contratante de dois intermediários, que deviam actuar em seu nome, para “cliente” da empresa constituída por seus contratados a quem a Sonangol passou a pagar pela mesma dívida.
A polémica e as incertezas à volta desses valores pagos à Rússia até 2006 são apresentadas e fundamentadas no relatório Fraude em altas posições: o contrato corrupto da dívida de Angola à Rússia, da autoria da Associação Mãos Livres, já na posse do Banco Nacional de Angola, que prometeu “oportunamente” reagir ao documento e às questões que este semanário fez chegar por correio electrónico.
O documento — que fala mesmo em “estratagema” por parte de um dos intermediários (Arcadi Gaydamak, sócio de Pierre Falcone) a quem Angola havia contratado para junto da Rússia sanar uma dívida que inicialmente estava avaliada em cinco mil milhões de dólares americanos, à data dos factos (1996) pouco mais de dois terços de todo o rendimento económico anual do país — afirma ter havido extorsão da parte da entidade que passou a negociar em nome de Angola, facto que as autoridades angolanas só teriam descoberto em 2005.
Segundo o relatório, em 2005, as autoridades angolanas escreveram à Federação Russa indicando que todos os fundos necessários tinham sido recebidos de Angola e que a dívida tinha sido saldada. Entretanto, não era esta a informação que tinha a Rússia, que teria reclamado junto das autoridades angolanas por oito Notas Promissórias que ainda tinha sob sua posse, que a Abalone, a empresa à qual a Sonangol pagara, negociava com Angola.
Tudo teve origem, tal como o NJ fez referência na sua edição 534, num esquema de compra de Notas Promissórias que estavam na posse da Federação Russa após perdão russo concedido à dívida angolana (de cinco mil milhões
de dólares o valor passou para 1,5 mil milhões de dólares americanos), valor que o país tinha 15 anos para saldar em 31 prestações.
O envolvimento de Pierre Falcone e de Arcadi Gaydamak, proprietários da firma Abalone Investments, “empresa fictícia e sem quaisquer activos materiais, constituída com o único propósito de fazer parte de um arranjo de pagamento da dívida angolana”, segundo o relatório da Mãos Livres, resultou num esquema em que a empresa contratada por Angola para intermediar a negociação da dívida angolana à Rússia transformou-se pouco meses depois em detentora das Notas Promissórias que Angola tinha de adquirir para saldar a sua dívida à Rússia.
A Abalone, que representava Angola na fase das negociações, foi ela mesma poucos meses depois comprar à mão dos russos essas notas, só que pela metade do seu valor nominal inicial (750 milhões de dólares), passando depois a transferi-las, as Notas Promissórias, para Angola mediante pagamentos que eram efectuados pelo Estado angolano por via da Sonangol, só que pelo valor nominal integral (1,5 mil milhões dólares americanos da dívida angolana), tendo a Abalone lucrado 750 milhões de dólares, isto é, a metade do valor.
Os pagamentos da dívida angolana eram realizados através de Contratos de depósito de garantias complementares assinados pela Abalone com a Rússia e com Angola, respectivamente, ainda segundo explicação relatório da associação cívica. Para tal, os acordos de garantias bancárias foram estipulados pelo Swiss Bank Corporation (SBS), na qualidade de banco fiduciário, que veio mais tarde a fundir-se com o Union Bank Suisse, passando a ser conhecido pela sigla UBS.
Após o despoletar do caso Angolagate que envolvia Pierre Falcone e Arcadi Gaydamak, um outro sócio (Vitaly Malkin, multimilionário russo) que se juntou à Abalone, comprando 25% da firma, os pagamentos que a Sonangol fazia à empresa passaram a ser feitos num outro banco, o Sberinvest Bank, com sede no Chipre, entidade que passou a ser o agente bancário da Rússia para o Contrato com a Angola.
Arcadi Gaydamak, que levou a cabo esse processo para se poder desviar das contas congeladas no âmbito do processo Angolagate, é apontado como tendo sido aquele que, enganando Pierre Falcone e Vitaly Malkin, deixou de pagar à Rússia cerca de 387 milhões de dólares, valores que Angola teria pagado em Novembro de 2005, referente às notas e aos respectivos juros. Gaydamak devia, assim, pagar a Angola o valor de 206 milhões de dólares, o que não chegou a acontecer.
“Permanece incerto se Gaydamak alguma vez devolveu os 206 milhões dólares a Angola. Se não devolveu, então Angola teria pago 1,779 milhões de dólares para saldar uma dívida de apenas 1,5 mil milhões. Se devolveu, Angola pagou um montante líquido de 1,573 mil milhões — mais 73 milhões do que havia sido estipulado no contrato de 1997 entre Angola e a Abalone”, conclui o relatório da Associação Mãos Livres.
Fonte: Novo Jornal