Análise comparativa sobre as Leis das ONG em Angola – Ana Filinga

Compartilhe

As ONGs são pessoas colectivas ou instituições privadas que não prosseguem fins lucrativos, e que têm autonomia de livremente prosseguir os seus fins. No âmbito da autonomia das ONG, a lei nº. 14/91 de 11 de Maio, lei das associações que vigorou até 2012 no artigo 9º, declarava que as associações prosseguiam livre e autonomamente os seus fins, gozando para o efeito de autonomia jurídica, administrativa e financeira.

De acordo com o mesmo artigo, as  associações não podiam ser extintas , nem verem suspensas as suas atividades senão nos termos da lei. A  lei nº. 6/12 de 18 Maio Lei das associações privadas, lei que vigora até a data atual, garante de igual modo a autonomia das ONG, o artigo 5º.

Diz que as associações prosseguem os seus fins livremente e sem interferência das autoridades, nos termos legais. A dissolução das associações ou suspensão das suas atividades só podem ser determinadas por decisão judicial e nos casos previstos nesta lei.

No Decreto Presidencial nº 74/15 de 23 de Março via-se uma certa senão mesmo a completa restrição no livre funcionamento das ONGs , o artigo 15º.  Instituia que as ONGs deveriam no início de suas atividades comunicar ao IPROCAC , a fonte ou as fontes de financiamento e montantes disponibilizados.

O financiamento de outros organismos estrangeiros, não governamentais as ONGs nacionais ou internacionais que operassem em Angola, deveriam obrigatoriamente ocorrer, com base num acordo reduzido a escrito, sujeito à aprovação do IPOCRAC. O não cumprimento constituiria fundamento para a suspensão ou extinção  da ONG independentemente da responsabilidade civil ou criminal.

Ainda no mesmo decreto, o artigo nº 19 definia que as actividades das ONGs deveriam ser coordenadas, definidas e orientadas pelo IPROCAC, que é uma instituição do executivo criada para coordenar, definir e orientar o local de implementação dos programas destas, em concertação com o Departamento Ministerial a que corresponde as suas actividades e o governo da província da área de actuação. De acordo ao artigo 20º o IPOCRAC teria a competência de:

  1. Coordenar, acompanhar, controlar e fiscalizar as actividades das ONGs;
  2. Definir os programas e projectos complementares às ações do executivo a serem desenvolvidos pela ONG;
  3. Determinar, em concertação com os Departamentos Ministeriais e autoridades locais, as províncias ou regiões do território nacional, onde os projectos devem ser executados;
  4. Apoiar as ONGs em questões de índole administrativa previstas no presente diploma;
  5. Auditar as contas das ONGs;
  6. Acompanhar e controlar todos os financiamentos concedidos à República de Angola através das ONGs;
  7. Exercer as demais competências estabelecidas por lei ou determinadas superiormente.

O artigo 23º do mesmo decreto estabelecia os deveres aos quais as ONGs deviam prosseguir, dentre os pontos, procurou-se  ater  aos pontos que a nosso ver merecem mais atenção, nomeadamente:

– Implementação os projetos sob coordenação e fiscalização do Governo da Província ou região do território nacional determinado pelo IPOCRAC;

-Prestação de informações no formato de relatórios intercalares, mensais, trimestrais, semestrais e anuais, no decurso e no final dos projectos, ao IPOCRAC;

-O Procedimento à abertura de conta bancária em território nacional onde deveriam ser depositados os fundos destinados aos projectos;

– Adquirir os bens e equipamentos necessários aos projectos no mercado nacional, recorrendo à importação única e exclusivamente quando comprovada a não existência dos bens e equipamentos no território nacional.

No projecto de lei sobre o estatuto das ONGs, achou-se  semelhanças no que toca a restrição das actividades e funcionamento das ONG. O artigo 6º define que o acompanhamento do exercício de atividade das ONG após registro é assegurado por uma entidade da Administração do Estado a ser determinada pelo Presidente da República enquanto titular do poder executivo.

O artigo 7º fala da competência do órgão responsável pelo acompanhamento às ONGs, neste artigo, acrescentou-se apenas alguns pontos a mais em relação às competências que se tinha no decreto de 2015,  dos quais atentou-se em observar :

O dever do órgão de acompanhamento garantir que os programas das ONGs não sejam usadas indevidamente:

-Por organizações terroristas que se passem por entidades legítimas;

-Para explorar entidades legítimas como canais para o financiamento do terrorismo, inclusive para escapar de medidas de congelamento de ativos;

-Para ocultar ou camuflar o desvio clandestino de recursos destinados a fins terroristas;

-Manter registro da identidade dos seus beneficiários efectivos e de outras pessoas que controlam ou gerem actividades das ONG, incluindo os respetivos órgãos sociais e demais pessoas responsáveis pela sua gestão;

-Acompanhar transações nacionais e internacionais efetuadas pelas ONG ou em seu benefício.

O artigo 11o. define a autonomia das ONG, de acordo este artigo, as ONG são autônomas na sua organização e funcionamento e, escolhem as suas áreas de atividades nos limites definidos e previstos pelos seus estatutos e pela lei.

Quanto aos meios de financiamento, a modalidade não foge do que se instituiu no decreto passado, ou seja, o artigo 14º também institui que as ONG devem comunicar ao órgão responsável pelo acompanhamento do exercício de atividade os seus meios de financiamento.

Quanto às responsabilidades das ONG acrescentaram-se outros pontos tais como:

-Contabilizar no Orçamento de todos os projetos as doações indiretas efetuadas pelo Estado angolano, nomeadamente com isenções de impostos, taxas e demais benefícios que lhe sejam concedidos;

– Estabelecer parcerias e celebrar contratos no âmbito das aquisições de bens e prestação de serviços com pessoas singulares ou colectivas, recorrendo a concurso público sempre que tal resulte da lei ou regimes especiais;

Quanto ao ponto de abertura de conta em território nacional, para o depósito de fundos do projecto , deve conter informações , entre outras informações , as referentes ao quadro demonstrativo da origem de fundos/recursos financeiros, relação dos bens importados e adquiridos internamente, plano de acção para o ano seguinte e a avaliação das parcerias estabelecidas.

Causas ou razões da proposta de Lei sobre as ONG

É importante e de grande benefício às sociedades democráticas que as ONGs sejam e continuem a ser autônomas, pois através de suas ações contribuem na promoção e  despertar da consciência cívica de todo e qualquer cidadão dentro de uma sociedade.

As ONG, dentro do seu quadro de actuação, criam actividades como formações (como é o caso da Mosaico, ADRA, Friend´s Of Angola entre outros), debates, palestras, monitoria e advocacia.

Portanto, são essas atividades que promovem o despertar de consciência cívica, garantindo assim uma maior participação nos assuntos públicos. Feita a análise, constatou-se,  que as razões que estão na base da elaboração da proposta de lei das ONG por parte do executivo angolano , são o resultado dos trabalhos que as ONG têm desenvolvido ao longo dos tempos,  um grande exemplo do grande impacto das actividades realizadas pelas ONGs poderíamos aqui elencar o trabalho feito pelo Movimento Cívico Mudei durante a época eleitoral, as ações dessa organização tiveram um grande impacto nas eleições gerais de 2022, durante a época eleitoral , esta organização fez escrutínio e monitoria em tempo real sobre as eleições o que originou uma pressão ainda maior relativamente a responsabilidade na contagem dos votos por parte da CNE.

Outro exemplo seria o trabalho feito pela Mosaico, como a formação de direitos humanos, uma formação que tem contribuído grandemente na construção cívica da sociedade angolana , garantido que os cidadãos com maior incidência aos jovens, conheçam os seus direitos e saibam reclamar os mesmos diante do estado quando estes são violados.

A proposta de lei do executivo que foi aprovada na generalidade e que provavelmente pode vir a ser aprovada na especialidade por conta da maioria do partido MPLA no poder, é uma forma de dar poder de superintendência e de direção ao Presidente da República de modos ao controlar, e determinar quais atividades as ONGs devem prosseguir, e ao prosseguir onde , quando e como prosseguir, é claramente uma violação à liberdade e autonomia das ONG, é uma lei antidemocrática e ao ser aprovado pelo parlamento estaremos diante de uma crise no Estado Democrático de Direito.

Conclusão

O actual projecto de lei sobre o Estatuto das ONG, é uma cópia do decreto de 2015 invalidado  pelo Tribunal Constitucional , após a análise comparativa constatou-se que a natureza do estatuto é mesma que a do decreto que foi declarado inconstitucional pelo tribunal constitucional em 2015, pois o mesmo restringia e interferia na autonomia e o livre funcionamento das ONGs, o decreto presidencial de 2015 conferia ao IPROCAC instituição criada pelo Estado , a responsabilidade para coordenar as actividades das ONG.

Neste estatuto actual, constata-se que não existe uma instituição específica como tal mas um órgão que o presidente da República enquanto titular do poder executivo pode indicar para tal efeito.

O que demonstra claramente uma inconstitucionalidade, como declara o artigo 48 da CRA no ponto 2, as associações prosseguem livremente os seus fins , sem interferência das autoridades públicas.

Quanto o ponto sobre o terrorismo e branqueamento de capitais entende-se ser  um aproveitamento político por parte do executivo de modos a legitimar a sua ação para o controle das organizações , percebe-se  que o objectivo principal do executivo angolano é controlar o funcionamento das mesmas, assim como tem o controlo da imprensa nacional, também quer ter o controlo das ONGs o que é uma característica típica dos estados autoritários e ditatoriais.

Radio Angola

Radio Angola aims to strengthen the capacity of civil society and promote nonviolent civic engagement in Angola and around the world. More at: http://www.friendsofangola.org

Leave a Reply