A Sonangol foi sequestrada! (I)

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A mais portuguesa de todas empresas públicas angolanas ficou ainda mais portuguesa

 Por Correio Angolense

Apoiada num decreto de última hora do Presidente da República cessante, Isabel dos Santos fez saber que o Conselho de Administração (CA) da Sonangol tem três novos administradores, dois dos quais portugueses. Substituem três angolanos; logo, e ao contrário do que diz a nota que ela pôs a circular, não houve alargamento do CA. Foi ela por ela.

Entram o angolano Ivan Almeida e os portugueses Susana Almeida Brandão e Emídio Pinheiro. Com a entrada de Susana Almeida Brandão e de Emídio Pinheiro, a Sonangol passa a ter cerca de 70 consultores portugueses, 8 dos quais directamente ancorados a Isabel dos Santos.

A nota de imprensa da Sonangol que anuncia as novas nomeações diz  que a jurista Susana Almeida Brandão “assumirá funções de coordenação da área jurídica”.

Por outras palavras, a fiscalização e negociação de contratos, questão sacramental numa empresa com o lastro da Sonangol, está confiada agora a um estrangeiro, no caso, uma portuguesa.

Mesmo que o paradigma da obtenção de empréstimos tenha mudado ligeiramente, uma estrangeira, no caso, uma portuguesa, terá acesso em primeira mão aos meandros da estratégia de negociação da Sonangol, isto é, do estado angolano. Trocando isto por miúdos, interesses estratégicos do estado angolano serão partilhados em tempo real com uma estrangeira, no caso uma portuguesa.

Diz-se que os advogados, como é o caso de Susana Almeida Brandão, são fiéis aos patrões e aos milhões e não aos corações. Neste caso Angola ficaria melhor servida se o coração de Susana Almeida Brandão fosse igualmente fiel a Angola.

Emídio Pinheiro, antigo presidente do BFA, quiçá, o mais português de todos bancos comerciais angolanos, terá sob seu controlo “a gestão da Sonangol Holdings e Indústria”.

De um tempo a esta parte Emídio Pinheiro esgrime a nacionalidade angolana, obtida por via de um casamento com uma angolana, que é estruturalmente portuguesa. Ou seja, é casado com alguém que nasceu aqui, mas que cresceu em Portugal, que apenas viveu e absorveu Portugal. Ambos estão no seu direito de serem angolanos. Ela por ter nascido aqui, ele, pela “boleia” que o sistema permite.

Porém, em relação a Emídio Pinheiro é justo perguntar se alguém que veio para trabalhar num banco português, fez-se angolano, deu as costas, foi rejeitado em Portugal, voltou para Angola, pode agora ter nas mãos “a gestão da Sonangol Holdings e indústria”.

Para quem não sabe, a Sonangol Holdings e Indústria incorpora parte do miolo da Sonangol. Simples como isso.

Por conseguinte, para além das áreas nucleares entregues a estrangeiros que estão com Isabel dos Santos desde que ela chegou à presidência da Sonangol, temos outra sob controlo de um estrangeiro, no caso um português. Vale acrescentar o seguinte: um homem que fez carreira na banca está em melhor posição do que um quadro angolano que tenha sido especificamente treinado para isso?

Se tivesse feito um competente “background check”, Isabel dos Santos teria descoberto que Emídio Pinheiro pode ter os olhos no dinheiro de Angola, mas tem o coração em Portugal.

Em 2007, numa altura em que a economia angolana ainda respirava sem auxílio de máquinas, o governo solicitou a alguns bancos locais empréstimos para compra de aviões à Boeing. Dos bancos solicitados, o BFA, à data presidido por este mesmo Emídio Pinheiro, foi o único que se recusou a ir ao jogo. Ele pode invocar questões de índole financeira, mas se os outros bancos “farejaram” lucro naquela operação, por que razão haveria o BFA de “farejar” prejuízos?

Foi a partir daí que as autoridades angolanas impuseram a todos os bancos comerciais estrangeiros a obrigatoriedade de darem mais espaço a sócios angolanos.

Dá para perceber que pessoa avisada, o que pelos vistos não é o caso de Isabel dos Santos, teria seguido outro caminho. Acontece que com ou sem dar por ela, Isabel dos Santos estabeleceu na Sonangol um “track record” consubstanciado na promoção abusiva e insultuosa de técnicos estrangeiros, na sua maioria portugueses.

Quando tomou posse, há cerca de 17 meses, aos angolanos que “convocou” para o Conselho de Administração, Isabel dos Santos juntou alguns estrangeiros, entre os quais alguns portugueses. Daí para adiante nunca mais parou. Quadros portugueses, alguns deles imberbes, tomaram de assalto várias posições, algumas de primeira linha, outras nem tanto.

Investidos de autoridade que não tem amparo no know how, mas tão somente no poder que irradia de Isabel dos Santos, estes técnicos conseguiram duas coisas, nunca antes vistas numa empresa pública angolana: a desmoralização generalizada do seu staff e o sequestro absoluto de uma empresa pública angolana por estrangeiros, no caso portugueses.

Gente que faz a apologia das decisões de Isabel dos Santos apressou-se a desencadear um spin que visa apresentar a contestação que a indicação destes dois portugueses provocou como uma manifestação de racismo.

O que estas pessoas não sabem e seguramente que os portugueses que tomaram de assalto a Sonangol também não sabem, e por arrastamento Isabel dos Santos, é que sempre houve brancos em vários departamentos da Sonangol. O que distingue estes cidadãos angolanos de Susana Almeida Brandão, Emídio Pinheiro e de todos os outros portugueses é que os primeiros, por serem angolanos, sempre foram vistos como angolanos, enquanto que os segundos, por serem portugueses, só podem ser vistos como portugueses.

Para quem acaba de chegar à Sonangol, como é o caso de Isabel, Pinheiro, Catarro, Susana & Lda, aqui vão nomes de alguns angolanos de raça branca, que deram o couro e o cabelo por aquela companhia: Ângelo Ribeiro, José Sonnemberg, Salgado Costa, Jaime Freitas, Lago de Carvalho, Francisco José Leal Gonçalves, “Xico-Zé”, Joaquim Leão, Pessoa Vaz, os manos Francisco Lopes e Rui Lopes “Macau” e muitos outros. A Sonangol deve a estes angolanos parte daquilo que é hoje.

O que está em causa não é a raça. Ninguém questiona a indicação de Ivan Almeida, jovem angolano, temperado no Makareno e “lapidado” nos EUA. O problema aqui é de soberania, e da ostracização imposta aos angolanos e da sua consequente depreciação técnica.

Francisca Van-Dúnem é ministra da Justiça em Portugal, porque ao fim de mais de 40 anos lá ela assume-se como alguém que tendo no coração um espaço para Angola escolheu Portugal: “Nestas coisas tem de haver racionalidade. No jogo entre o espaço do possível, do fazível e do desejável, é preciso encontrar algum realismo.(…). Eu tenho uma carreira feita aqui que não me passa pela cabeça abandonar tudo de um dia para o outro. A partir de uma certa altura, foi uma escolha que fiz. E foi uma escolha consciente”, disse ela ao Expresso do dia 11 de Junho de 2016.