A Falência do Estado de Direito – Rafael Morais
Há uma frase que se ouve com frequência em Angola: “Neste país, a lei só funciona para alguns.” E é verdade. A justiça deixou de ser um direito universal para se tornar uma moeda de troca. O Estado de Direito, que deveria ser o alicerce da democracia, ruiu aos poucos diante dos nossos olhos e, em seu lugar, ergueu-se uma estrutura desigual, onde o pobre implora e o rico manda.
Angola é um país onde o discurso oficial fala de progresso, mas os musseques continuam cheios de crianças descalças, mães sem comida, jovens sem futuro. A justiça social, que deveria garantir dignidade mínima a todos, é tratada como um luxo. Há quem viva como se estivesse na Suíça, mas a esmagadora maioria sobrevive num pesadelo diário, onde a fome, o desemprego, a precariedade habitacional e o abandono estatal são a regra.
A falência do Estado de Direito é, acima de tudo, a falência do compromisso com o povo.
Quando o cidadão tem de pagar “gasosa” para obter o que é seu por direito; quando as vítimas são obrigadas a calar-se e os culpados têm segurança armada; quando o acesso à terra, à saúde, à educação e à justiça depende do sobrenome ou da ligação partidária — então já não falamos de democracia, mas de um sistema de exclusão institucionalizada.
A justiça social em Angola tornou-se refém da política e da corrupção. A redistribuição da riqueza nunca chegou. O petróleo serviu para enriquecer uma elite, e não para construir hospitais, escolas ou habitação condigna. O Estado, em vez de protetor, age como predador: despeja famílias sem alternativa, prende manifestantes, ignora os bairros sem água nem luz e cala-se diante da violência contra os mais pobres.
Há um silêncio que grita em cada esquina. Um silêncio que diz: “Aqui, ninguém está por nós.” As instituições que deveriam defender os vulneráveis perderam o sentido. Os tribunais tornaram-se templos da lentidão e do favoritismo. O Ministério Público, tantas vezes, parece mais defensor do poder do que da justiça. E o Parlamento… bem, o Parlamento é, muitas vezes, um eco do Executivo — não a voz da nação.
Mas não se constrói uma nação pisando nos ombros dos fracos.
Um país onde a justiça social não é realidade está condenado à instabilidade, ao ressentimento, à revolta surda que cresce nos becos e nas praças.
Ainda é possível resgatar o Estado de Direito em Angola — mas não com promessas vazias.
É preciso vontade política, reformas profundas, coragem institucional e pressão cidadã.
Justiça social não é favor. É direito.
E, enquanto for privilégio, continuaremos a viver sob um sistema que finge legalidade, mas pratica injustiça com naturalidade.
CK

