DETENÇÕES E CREDIBILIDADE JUDICIAL
O país tem vivido uma reforma generalizada, consequência das novas políticas implementadas pelo Governo. Dentre as diversas transformações, sentimos no dia-a-dia o desenrolar de vários casos ligados ao combate à corrupção e a outros males que afectam o progresso de Angola, com principal destaque para as detenções de ex-servidores públicos que durante o exercício das diversas funções presume-se que tenham praticado actos ilícitos que beliscaram a credibilidade, seriedade e o normal funcionamento das instituições do Estado.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) tem estado a intensificar o seu trabalho no processo do combate à corrupção, facto que merece o apoio de todas as instituições e pessoas singulares interessadas no fortalecimento da justiça do país, para que a revitalização da credibilidade do mercado angolano tenha o êxito pretendido.
Apesar disso, várias vezes deparei-me com comentários que personalizam a figura do Presidente da República às recentes detenções, alguns chegam mesmo a usar termos como “perseguição” ou “caça às bruxas”. Esses termos não casam com a verdade, pois a verdade é que a PGR começa a exercer a sua função e a tomar medidas que lhe competem sem qualquer influência ou interferência do poder político.
Vejamos a Lei Orgânica da Procuradoria-Geral da República (Lei 22/12 de 14 de Agosto) no seu artigo 1º, no ponto 1, diz que a PGR é um organismo do Estado com a função de representação penal, de defesa dos direitos de outras pessoas singulares e colectivas, de defesa da legalidade no exercício da função jurisdicional e de fiscalização da legalidade na fase de instrução preparatória dos processos e no que toca ao cumprimento das penas. Podemos ler no ponto 2 do mesmo artigo (sobre a autonomia do referido organismo), onde diz ela goza de autonomia administrativa e financeira e constitui uma unidade orgânica hierarquizada sob a direcção e gestão do seu Procurador-Geral. Este, segundo o artigo 9º da mesma lei, na alínea d, tem a competência de ordenar a prisão preventiva em instrução preparatória, validá-la, prorrogá-la ou substituí-la por outras medidas de coação, nos termos da lei.
Como vemos, as detenções observadas nos últimos dias têm bases institucionais e não é nada além do que está legislado, por isso, é possível descartamos qualquer tipo de interferência do Presidente da República no normal funcionamento de qualquer processo que esteja sob a tutela da PGR. Recordo-me que quando o Presidente foi questionado sobre o caso “Manuel Vicente” limitou-se em dizer que o assunto é da alçada da Justiça e deve ser tratado com a justiça, o que espelha a vontade clara de deixar os órgãos tratarem dos assuntos para os quais foram criados.
As detenções, com o principal destaque para o caso do ex-ministro dos Transportes e do antigo presidente do Fundo
Soberano são apenas a ponta do longo fio que os órgãos de investigação e de justiça deverão naturalmente puxar, atendendo o alto nível de corrupção e impunidade que o país atingiu. Espera-se um desfecho justo em cada processo. Os acusados ainda não foram julgados nem condenados e isso será feito por um tribunal competente. Até lá, a presunção da inocência continua sendo uma possibilidade. Por isso, apelo aos cidadãos à moderação dos termos usados para caracterizar os arguidos.
Devemos todos encorajar o trabalho desenvolvido pela PGR e ser parte dele, sobretudo daqueles casos em que podemos contribuir, quer de forma directa quer indirecta. Urge a necessidade de melhorar o funcionamento do sistema de justiça angolano e isso passa também pelo fortalecimento e cumprimento das normas e das leis legalmente estabelecidas.
Não devemos ser contra nem a favor das detenções, devemos sim, ser sempre pela justiça, se for para ser, o que for que seja, tem que ser segundo o que orienta a lei para evitarmos, no futuro, as retaliações ou fracções entre justos e injustiçados. É necessário responsabilizar todos aqueles que debicaram pedaços da economia do país, não só para desencorajar quem está agora a assumir responsabilidade pública, mas também para garantir que o país tem normas e elas devem ser cumpridas com responsabilidade.
A descredibilização do mercado angolano, consequência das práticas ilícitas de um terço de indivíduos apatriotas está hoje a custar muito caro a todos os cidadãos. O processo de desburocratização dos serviços públicos, a fiscalização e a prestação de contas em tempo real podem ajudar-nos a melhorar o quadro. Se realmente há vontade de se criar uma Angola justa, em que os corruptos sintam-se intimidados de praticarem acções que lesam os princípios da boa gestão e do desenvolvimento social, devemos avançar mesmo que seja sobre circunstâncias difíceis.
Neste processo de investigação e apuramento dos factos recomendo o total segredo de justiça para ter-se o resultado real no fim de cada caso. Devemos estar atento aos fenómenos novos de corrupção, porque a evolução da luta contra o mesmo pode subsequentemente evoluir as formas de praticar tais acções. Por fim, sejamos todos bons agentes sociais, administradores e governantes.
Devemos cultivar o amor ao trabalho digno e o compromisso com as causas colectivas porque ninguém deve sentir se superior a lei. A disciplina e o rigor da justiça têm que funcionar para todos, somos garantidamente tangíveis pela lei dos humanos e pela lei da vida; e como diz-se por aí: dura lex sede lex (a lei é dura, mas é lei).
Fonte: Revista África 21 | Dolzio Viegas