O BANCO CENTRAL TAMBÉM FOI LUDIBRIADO?

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Até agora, no cerco às actividades ilícitas de Jean-Claude Bastos de Morais, as autoridades angolanas têm concentrado os seus esforços sobre a gestão do Fundo Soberano de Angola. Porém, o envolvimento de Jean-Claude no alegado desfalque sistemático dos dinheiros públicos do país vai muito além da gestão danosa do Fundo.

O Governo tem mantido completo silêncio acerca dos três mil milhões de dólares que o empresário obteve do Banco Nacional de Angola (BNA). À semelhança dos dinheiros do Fundo Soberano, também os fundos do BNA foram parar ao Northern Trust Bank, Inglaterra, que tudo indica ter sido usado para transferir os fundos angolanos para o Grupo Quantum Global (Suíça), detido por Jean-Claude Bastos de Morais.

Depois de ter sido contactado por uma fonte do BNA, sob condição de anonimato, o Maka Angola pôde aprofundar as suas investigações. Este funcionário do BNA garante que “os fundos [os três mil milhões de dólares do BNA] foram geridos sem se qualquer prestação de contas”.

A dita fonte explica que Jean-Claude Bastos de Morais assinou um contrato com o BNA, em nome das suas empresas Quantum Global Investment Management (QGIM) e Quantum Global Opportunities Fund (QGOF), para gerir dois investimentos, relativos a um Fundo de mil milhões de dólares e a outro de 900 milhões de euros.

Estes mandatos para a gestão dos investimentos foram concedidos às empresas de Bastos de Morais em 2011 pelo então governador do BNA, José de Lima Massano.

Os documentos a que o Maka Angola teve acesso revelam que a QGIM deveria ter aplicado os mil milhões de dólares numa carteira equilibrada de investimentos, cobrando não apenas uma comissão de gestão de 1%, como também uns estonteantes 20% sobre todos os lucros.

Na perspectiva da Quantum Global, o que significa uma “carteira equilibrada de investimentos”?

Logo de início, ainda em 2011, a QGIM, cujo gestor de aplicações era Serge Bastos, irmão de Jean-Claude, “investiu” 25 milhões de dólares num empréstimo concedido a uma empresa de fachada recém-formada chamada Novécia S.A., destinado à exploração de ouro em Angola.

Na realidade, a Novécia era uma empresa do próprio Jean-Claude Bastos de Morais, registada no mesmo endereço que os escritórios do Banco Kwanza Invest (BKI), na Avenida Comandante Gika, nº 150, Luanda. Bastos de Morais detém 85% das acções do BKI, que foi constituído com o seu amigo Zenú.

O projecto de prospecção e exploração do ouro da Novécia (nas minas de M’popo, província da Huíla-Sul) foi adjudicado a um consórcio público-privado, do qual a Calfisa S.A. – empresa de Bastos de Morais e de Zenú – detinha 20% das acções.

Entre outros accionistas do projecto, contavam-se (embaraçosamente) o actual presidente João Lourenço, o seu primo e actual governador de Cabinda, general Eugénio César Laborinho, e um antigo chefe do Estado-Maior do Exército, general António dos Santos França ‘Ndalu’, membro do comité executivo do MPLA conhecido como o “General dos Generais”, para além e outras personagens célebres do regime.

Até ao momento, com excepção de Zenú, não foi possível averiguar se havia mais accionistas cientes da concessão deste “empréstimo”. Tal como não foi possível averiguar se algum deste dinheiro foi de facto atribuído ao projecto M’popo.

Porém, o Maka Angola conseguiu averiguar que o empréstimo nunca foi amortizado e que “se espera que seja perdoado”. Mesmo assim, o CFO do Quantum Global Group, Tobias Klein, manteve o valor do empréstimo, com juros acrescidos, num total de 50 milhões de dólares como activo na contabilidade, “de forma a esconder a perda do BNA”. “Trata-se”, segundo um testemunho do banco central, “de uma fraude”.

Jean-Claude Bastos de Morais

Ainda em 2011, foi concedido um empréstimo de 26,5 milhões de dólares a uma empresa ligada a mercados emergentes para um investimento imobiliário em Angola. Conforme a própria QGIM já admitiu, o gestor do Quantum Global Opportunities Fund (QGOF), Gareth Fielding, roubou este dinheiro, tendo falsificado documentos para encobrir o crime.

A QGIM “investiu” ainda, entre 2012 e 2013, 45 milhões de dólares num Fundo de Investimento de York para a extracção de petróleo na Califórnia. Foi declarada uma perda de 27 milhões de dólares neste empreendimento, a qual sofreu uma reavaliação contabilística em baixa, no valor de 19 milhões de dólares. Os especialistas financeiros afirmam que são inviáveis quaisquer tentativas de recuperar estas perdas.

Um novo “investimento” incompreensível foi feito em 2012, quando a QG emprestou 5 milhões de dólares ao seu gestor Thomas Ladner, para que este adquirisse uma participação noutra empresa de Jean-Claude Bastos de Morais, a The Partnership Group (TPG). Um empréstimo adicional de 4,4 milhões de dólares foi concedido à TPG. Apesar da prorrogação das datas de vencimento, não há registo de quaisquer amortizações destes empréstimos.

Em 2013, Gareth Fielding (gestor do QGOF) e Roberto Garobbio (gestor da Quantum Global Private Wealth – QGPW) contratualizaram empréstimos no valor de 18,1 milhões e euros, provenientes do segundo mandato de investimentos do BNA, a uma empresa chamada Winnecore, para aquisição de imobiliário. Declararam depois, simplesmente, que os contraentes “não tiveram capacidade para amortizar o empréstimo”. As investigações concluíram que estes dois gestores tentaram omitir as perdas através da falsificação da contabilidade, mas não terão conseguido encontrar “nenhum banco disposto a fazê-lo”.

Em Maio de 2015, o QG Opportunities Fund (QGOF) concedeu outro empréstimo, de 10 milhões de dólares, a Thomas Ladner, através da sua empresa FTS Capital Limited, “para investimentos altamente especulativos em empresas ainda não cotadas em bolsa”. Presidente da administração da QGIM, foi Ladner quem aprovou o empréstimo e as subsequentes prorrogações dos prazos de vencimento. Em Dezembro de 2017, os empréstimos dos fundos do BNA concedidos a Thomas Ladner ascendiam a 15,5 milhões de dólares, mas na contabilidade eram dados como não tendo qualquer valor de facto.

O BNA, que é o banco central de Angola, tomou medidas para retirar os seus activos da gestão da QGIM, mas subsistem dúvidas acerca dos motivos que levaram o governador José de Lima Massano a colocar 250 milhões de dólares sob a tutela de Jean-Claude Bastos de Morais.

Uma fonte do BNA confidenciou ao Maka Angola: “Suspeito de que, no BNA, as pessoas têm medo de revelar aquilo que a Quantum Global fez. Caso o BNA retire todos os restantes fundos e dê início a uma investigação, muita porcaria virá ao de cima.”

O Maka Angola descobriu também que o Quantum Global Group continua a cobrar comissões de gestão dos 90 milhões de dólares de activos ilíquidos (provenientes do investimento de 250 milhões de dólares).

Na opinião de um gestor de investimentos de renome internacional consultado pelo Maka Angola, isto significa que Jean-Claude Bastos de Morais investiu em “coisas em que impedem que se recupere rapidamente o dinheiro, a não ser que alguém mais queira adquirir seja o que for em que ele ‘investiu’”. Este dinheiro perdeu-se. Estes activos ilíquidos são bens privados que (muito provavelmente) mais ninguém tem interesse em possuir.

UM TRABALHO A PARTIR DE DENTRO

Estas decisões financeiras desastrosas foram tomadas durante o primeiro mandato de José de Lima Massano como governador do BNA (2010-2015). Anteriormente, Massano fora CEO do Banco Angolano de Investimentos (BAI) e, ao mudar-se para o BNA, levou consigo David Mauro Figueiredo de Carvalho, que nomeou director do Departamento de Gestão das Reservas. Entre as responsabilidades deste último, constava a negociação e supervisão da carteira de investimentos do BNA com a Quantum Global.

Quando o ex-presidente José Eduardo dos Santos despediu Massano em 2015, David de Carvalho também abandonou o BNA, reaparecendo um ano mais tarde como director regional do Quantum Global Group para Angola e Moçambique.

Considere-se a seguinte hipótese: a de que este foi mais um esquema organizado a partir de dentro do regime, pela corte de JES, como forma de desviar dinheiro do erário público angolano para o bolso de cada um dos envolvidos. Com as pessoas certas no lugar certo para escolherem as opções de “gestão do investimento” dos dinheiros do Estado angolano, tornou-se então possível avaliar os activos em baixa, de modo que a diferença entre o investimento original e o valor actual fosse arrecadado sem que ninguém desse conta.

O Maka Angola tem aprofundado esta linha de investigação, como diversas outras, sobre os alegados roubos de larga escala levados a cabo pela família Dos Santos e por Jean-Claude Bastos de Morais.

Claramente, estas investigações enervam Bastos de Morais, que tem fortes razões para não querer que as negociatas do Grupo QG venham a público. Para o evitar, contratou a Schillings, uma famosa empresa de advogados (e de gestão de imagem empresarial), ameaçando o Maka Angola e outras plataformas de comunicação que republicaram os nossos trabalhos acerca das actividades criminosas de Bastos de Morais.

Assim, uma vez mais, o Maka Angola reitera o desafio a Bastos de Morais e à Schillings: avancem. Teremos todo o gosto em apresentar aos tribunais ingleses e aos media provas documentais dos delitos de Jean-Claude. A verdade e o interesse público são a melhor e mais completa defesa contra quaisquer acusações por difamação.

Fonte: Maka Angola | Rafael Marques de Morais​

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