Fantasmas de terrorismos assombram a cidade alta e tiram sono ao João Lourenço – Hitler Samussuku
Em Angola, os fantasmas do terrorismo ressurgem sempre que o regime precisa fabricar inimigos. No centro dessa engrenagem está o SINSE – Serviço de Inteligência e Segurança do Estado – uma instituição que, longe de se dedicar a proteger o país de ameaças reais, tornou-se especialista em vigiar opositores, inventar conspirações e criminalizar o exercício da cidadania.
O país enfrenta desafios graves: fome, miséria, desemprego, fuga de cérebros. São estas as verdadeiras bombas-relógio sociais, prontas a explodir em revoltas populares. No entanto, o SINSE não actua para ajudar o governo a encontrar soluções que diminuam as desigualdades. Pelo contrário, altas patentes da segurança e da política aparecem envolvidas em tráficos de drogas, contrabando de combustíveis, tráfico de seres humanos e outros crimes que, esses sim, ameaçam a soberania nacional.
Historicamente, o modus operandi não mudou. Em 1977, quando se chamava DISA, o órgão foi responsável pela maior barbárie da África Austral: o massacre de 27 de Maio, que eliminou milhares de angolanos. A vergonha levou à troca de nome – de DISA para SINFO, nos anos 1990, em pleno conflito armado com a UNITA – e, depois, para SINSE, já sob a Constituição de 2010. Mudaram os estatutos, mas não a lógica: encarar a UNITA e os ativistas cívicos como “inimigos internos” e persegui-los sistematicamente.
Em 2025, a narrativa voltou a ultrapassar o limite do ridículo. O SINSE e o SIC acusaram o presidente da UNITA de manter ligações com Ibrahim Traoré e contratar um jovem para transportar, nas costas, 60 toneladas de explosivos do Huambo para Luanda, justamente quando o ex-presidente norte-americano Joe Biden visitava o país com intuito de causar um caos. Diante da falta de credibilidade, recuaram. Mas logo encontraram um novo alvo: o jovem Buka, dirigente juvenil da UNITA acusado de ter ligações com o grupo Wagner.
A acusação, além de infundada, é um risco diplomático. Não se pode esquecer que foi a União Soviética quem garantiu ao MPLA o controle militar e logístico de Angola, com tropas cubanas e apoio directo de Moscovo. Hoje, no entanto, o governo de João Lourenço aproxima-se cada vez mais do neoliberalismo e dos interesses estratégicos dos Estados Unidos, a ponto de hipotecar o corredor do Lobito.
O caso Buka repete um roteiro conhecido. Em 2022, Luther Campos foi preso e acusado de liderar atos violentos na greve dos taxistas, embora não estivesse envolvido. Agora, a propaganda estatal aponta Buka como financiador dos protestos de 28 e 29 de julho contra a subida dos combustíveis.
Não é a primeira vez que o regime invoca “terrorismo” para justificar repressões. Em 2015, quando prendeu os 15+2, o SINSE já ensaiava essa estratégia. Em 2016, acusou jovens muçulmanos de ligação com o Estado Islâmico. Agora, com o nome Wagner em alta na geopolítica, três jovens – entre eles, um jornalista da TPA e outro militante da UNITA – são acusados de servir interesses russos para desestabilizar Angola.
Tudo isso acontece num momento em que o MPLA atravessa uma crise interna sem precedentes. Dentro do próprio partido, vozes já se levantam contra a liderança de João Lourenço. Enquanto isso, o país recua em direitos e liberdades, vítima dos caprichos autoritários de um presidente com índices de rejeição acima da média e cada vez mais refém de fantasmas que ele próprio alimenta.
Por Hitler Samussuku

