“O Escárnio”, ficção e realidade na República Democrática do Matobo
Após nove livros virados em temas políticos, económicos e sociais, o escritor angolano Domingos da Cruz veste-se de Mbomba Mudiatela e lança um romance, “O Escárnio”.
Fonte: VOA
“Uma obra universal sobre um país imaginário”, que Cruz quer ver “lida e entendida em qualquer lugar do mundo, e não apenas onde somos originários”.
A trama decorre na imaginária República Democrática de Matobo, onde vão “acontecer coisas tão ficcionáveis, foras do real, mas também passagens que têm que ver com a realidade”, afirma o escritor em conversa com a VOA.
O ponto de partida de Mbomba Mudiatela é sempre a realidade, com o personagem principal da trama a “resistir contra uma sociedade na qual os valores do ponto de vista ético nada valem, na República Democrática de Matobo ser ético transformou-se numa tipologia criminal”.
A obra mostra a crueldade dessa sociedade e, para o personagem, pode haver desesperança, mas o autor lembra que “os livros ao chegarem às mãos do leitor, cada um faz a sua interpretação”, e nesse sentido “pode-se dar azo aos dois caminhos”, desesperança e esperança.
A história
O livro gira em torno de um cidadão que olha para a realidade da sociedade onde vive e propõe caminhos, no seu entender, nos mais variados campos, económico, político e social, que ele apresenta como sendo diferentes, embora não o sejam noutras partes do mundo.
“Mas na República Democrática do Matobo é novidade porque são valores éticos, para as pessoas viveram com ética, e como nem o Governo nem os matobuenses têm esses valores, eles o perseguem de forma brutal e o que o que acontece é inenarrável”, avança Domingos da Cruz quem, sublinha, “por isso, convido as pessoas a lerem o livro”.
A obra, de acordo com a sinopse, é uma distopia universal a partir de um “lugar imaginário onde todo o discurso e prática divergem radicalmente”.
Este país imaginário “não oferece portas de saída para a bondade, o amor, a honestidade, e outros, segundo Cruz.
“Aqueles que arriscam viver e expressar estes valores, veem-se cobertos num fogo cerrado, à semelhança de Verax, que aparece como uma luz de racionalidade, é vencido pelas forças das trevas e tudo acaba numa indescritível brutalidade”, que o autor classifica de dimensões “bíblicas, escatológicas”.
O personagem é literalmente icinerado mas, tanto a editora como o autor, acreditam que a obra pode “não ter um ponto final”, o que vai depender dos leitores.
Bibliografia
Depois de ter dado à estampa nove obras com incidência nos campos político, social e económico, e também com um forte pendor activista, Domingos da Cruz assume, no género romance, o nome de Mbomba Mudiatela, quimbundo, o qual recupera da tradição familiar.
“O Escárnio” tem a chancela da editora Cordel d´Prata, foi lançado em Portugal mas Domingos da Cruz diz não haver ainda uma data para a sua apresentação em Angola.
Jornalista, investigador e professor universitário, Cruz foi vencedor do Prémio Nacional de Direitos Humanos Ricardo de Melo, patrono que foi correspondente da VOA em Luanda até ser assassinado em 1995 em situações nunca esclarecidas pelo regime de Angola.
Nascido em Malanje, Angola, em 1984, Domingos da Cruz, também activista, é mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba, Brasil, e graduado em Filosofia e Pedagogia pelo Instituto Dom Bosco de Estudos Superiores, Angola.
Neste momento encontra-se a fazer o seu doutoramento em Zaragoza, na Espanha.
Da sua bibliografia consta, Para onde vai Angola, Quando a guerra é necessária, Liberdade de expressão e de imprensa: implicações éticas na infância, Ética educativa à luz da racionalidade comunicativa, Liberdade de imprensa de Angola, África e Direitos Humanos, Ferramentas para destruir o ditador, Angola amordaçada: a imprensa ao serviço do autoritarismo, Racismo: o machado afiado em Angola.