Liberdade e democracia: Angola entre os países “não livres”

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Angola foi um dos países onde a democracia recuou no ano passado, segundo conclusões do relatório sobre a liberdade e a democracia no mundo, divulgadas nesta quarta-feira, 04/03, pela organização Freedom House.

De acordo com o relatório “Freedom in the World 2020”, os países com os maiores retrocessos e progressos em termos de liberdade e democracia no ano passado localizam-se todos em África.

SOBRE ANGOLA

Em 2019, Angola fez alguns progressos no que diz respeito aos direitos à liberdade de expressão e reunião pacífica, permitindo a realização de vários protestos e marchas em todo o país. No entanto, continuou a reprimir manifestantes pacíficos e activistas no enclave rico em petróleo de Cabinda e na província rica em diamantes de Lunda Norte. Em Janeiro, o parlamento aprovou uma nova lei que limita o direito à liberdade de religião, que levou ao encerramento de milhares de locais de culto. A conduta entre pessoas do mesmo sexo foi despenalizada em janeiro, após a aprovação do novo código penal pelo parlamento.

REPRESSÃO DOS ACTIVISTAS DE CABINDA

Em 2019, continuou a repressão de manifestantes pacíficos e ativistas no enclave rico em petróleo de Cabinda. Entre 28 de janeiro e 1 de fevereiro de 2019, a polícia deteve 63 ativistas pró-independência de Cabinda antes de um protesto anunciado para comemorar o aniversário da assinatura do tratado de 1885 que deu a Cabinda o estatuto de protetorado da antiga potência colonial portuguesa. Muitos dos ativistas eram membros do Movimento Independentista de Cabinda, um grupo separatista pacífico que busca a independência ou a autonomia de Angola.

Em março, a polícia deteve mais 10 activistas que se haviam reunido numa praça da cidade de Cabinda para exigir a libertação dos activistas previamente detidos. Também em março, na sequência de uma visita à província, membros do principal partido da oposição, União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), acusaram as autoridades de Cabinda de intimidar e reprimir os habitantes da província.

VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS EM LUNDA NORTE

As autoridades violaram os direitos dos residentes e garimpeiros na província de Lunda Norte. Em abril, a polícia disparou balas verdadeiras, matando um menino e ferindo três adultos, durante um protesto realizado na sequência de um garimpeiro ter sido morto a tiro por um alegado agente de uma empresa de segurança privada numa das minas de diamantes de Calonda. Em março, o principal grupo de direitos humanos de Angola, Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD) e líderes comunitários acusaram as autoridades de limitarem arbitrariamente os movimentos de pessoas nas áreas próximas aos campos de diamantes, forçando os moradores a abandonarem as suas quintas por falta de acesso às suas terras. Em alguns casos, de acordo com líderes das comunidades, as forças de segurança privadas que protegem as minas de diamantes maltrataram e agrediram os moradores que encontraram a trespassar os campos de diamantes. Em fevereiro, a polícia matou o líder de uma comunidade, quando um grupo de moradores de Capenda Camulenda protestou contra a concessão de terras agrícolas a uma empresa de diamantes.

DIREITO À REUNIÃO PACÍFICA

Apesar de ter sido feito algum progresso no que diz respeito aos direitos à liberdade de expressão e reunião pacífica, a polícia Angolana intimidou e deteve arbitrariamente activistas por planearem manifestações. Em Setembro, a polícia deteve 23 pessoas na cidade de Luena durante um protesto pacífico contra a administração do governador da provincial de Moxico, antes de uma visita do presidente da República João Lourenço.

Em maio, a polícia manteve o activista Hitler “Samussuku” Tshikonde encarcerado durante 72 horas sem qualquer acusação ou acesso a um advogado. Tshikonde foi informado de que estava sob investigação por alegadamente “ter insultado o presidente” num vídeo que publicara nas redes sociais.

Em julho, a polícia deteve sete pessoas que protestavam de forma pacífica contra a falta de abastecimento de água na província de Benguela.

Em agosto, a polícia recorreu a gás lacrimogéneo e cães para dispersar um grupo que se reunira sem autorização em frente ao edifício do parlamento para exigir que as eleições municipais do ano seguinte se realizassem em todas as cidades angolanas.

DIREITOS À HABITAÇÃO

Centenas de famílias que foram retiradas à força das suas casas, sem as garantias processuais necessárias nem a provisão de habitação alternativa ou compensação adequada, continuaram a aguardar o reassentamento. Em agosto, alguns moradores do assentamento informal “Areia Branca” em Luanda disseram à Human Rights Watch que estavam a viver em condições perigosas e em risco de contrair doenças infeciosas após terem sido despejados ilegalmente em 2013, por uma empresa contratada pelo gabinete do governador de Luanda para modernizar a cidade. Mais de 400 famílias foram transferidas para outro bairro após as demolições. A Human Rights Watch confirmou que as novas casas foram atribuídas a apenas 18 famílias, mas sem escritura ou qualquer outro documento que lhes concedesse a posse das propriedades.

ORIENTAÇÃO SEXUAL E IDENTIDADE DE GÉNERO

Em janeiro, Angola despenalizou a conduta entre pessoas do mesmo sexo, depois de revogar a disposição referente a “vícios contra a natureza” na sua lei, amplamente interpretada como uma proibição da conduta homossexual. O governo também proibiu a discriminação de pessoas com base na sua orientação sexual. Qualquer entidade que se recuse a empregar ou prestar serviços a um indivíduo com base na sua orientação sexual pode enfrentar até dois anos de prisão.

Estas mudanças advêm do facto de o parlamento de Angola ter adotado o seu primeiro novo código penal desde a conquista da independência de Portugal em 1975. Embora não haja conhecimento de ações judiciais desta natureza ao abrigo do antigo código penal, estas disposições restringem os direitos e liberdades das lésbicas, homossexuais, bissexuais e transgénero (LGBT), sujeitando as suas vidas íntimas a um escrutínio injustificado.

ACIDENTES COM MINAS TERRESTRES

Quase 17 anos após o fim da guerra civil de Angola, as minas terrestres e outros resíduos de explosivos de guerra continuam a matar e mutilar pessoas, em particular crianças. Em junho, cinco crianças ficaram gravemente feridas quando uma mina terrestre explodiu enquanto caçavam perto de Balombo, na província de Benguela. Um mês antes, nove crianças com idades entre três e 11 anos ficaram feridas após terem detonado uma mina terrestre enquanto faziam uma fogueira para se aquecerem no recinto da sua casa em Cuito, na província de Bie.

Em setembro, o príncipe Harry da Grã-Bretanha visitou o país no âmbito de uma excursão pela África Austral. Em Angola, o príncipe observou o trabalho do projeto de desminagem HALO Trust na província do Huambo, onde a sua mãe, a princesa Diana, foi fotografada em 1997 a entrar num campo minado como parte dos seus esforços para chamar atenção para a importância da remoção de minas terrestres de Angola. De acordo com o governo, há pelo menos 1220 zonas em Angola que ainda estão contaminadas por minas terrestres, face a 2700 zonas em 2007. As províncias mais afetadas são Cuando Cubango, Moxico, Cuanza Sul e Bie.

LIBERDADE DE RELIGIÃO

Em janeiro, o parlamento aprovou uma nova lei que limita o direito à liberdade de religião. A Lei sobre Liberdade de Religião, Crença e Culto estipula que os grupos religiosos devem ter pelo menos 100 mil membros para serem reconhecidos oficialmente. Em maio, o governo anunciou que, como parte da Operação de Resgate, que visava restaurar a autoridade do Estado instituindo ordem no culto religioso, nas estradas e nas migrações ilegais, entre outros aspetos, mais de 2000 igrejas e locais de culto haviam sido encerrados.

Um líder da comunidade muçulmana disse à comunicação social que foram encerradas 39 mesquitas na Lunda Norte e mais de 10 mil muçulmanos foram forçados a atravessar a fronteira com a República Democrática do Congo para celebrar o Ramadão em maio. O Islão não é uma religião autorizada em Angola e as mesquitas não estão autorizadas a operar na maior parte do país. Em janeiro, a ministra da Cultura disse ao parlamento que o governo estava a monitorizar grupos ligados ao Islão no país e que em breve tomaria uma decisão oficial sobre o grupo religioso.

PRINCIPAIS ATORES INTERNACIONAIS

Em 2009, Angola assumiu a liderança de dois importantes papeis de defesa em órgãos regionais, a Inspeção de Defesa da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) e o Conselho de Paz e Segurança da União Africana. Ambos os órgãos têm a tarefa de promover a segurança, paz e estabilidade. O seu mandato também inclui a prevenção de conflitos e a realização de missões de construção da paz nos Estados-Membros.

Em agosto de 2019, Angola mediou uma cimeira que culminou com os líderes do Uganda e Ruanda a acordar reabrir a fronteira entre os dois países, pondo termo a meses de tensões que levantaram preocupações de hostilidades armadas.

Também em agosto, o secretário de estado dos EUA, Michael Pompeo, saudou as reformas que o Presidente João Lourenço implementou desde que assumiu o cargo em 2017. Em março, o vice-secretário assistente do Gabinete de Democracia, Direitos Humanos e Trabalho, Scott Busby, prometeu ajudar o governo a melhorar os mecanismos de responsabilização pelas violações dos direitos humanos.

Em outubro, a União Europeia saudou a ratificação por Angola de três tratados internacionais de direitos humanos: o Segundo Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, com o objetivo de abolir a pena de morte, a Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial.

LUSÓFONOS

Entre o grupo de países que mais melhoraram a avaliação no que respeita à liberdade e democracia em 2019 relativamente ao ano anterior, está a Guiné-Bissau com (+4 pontos).

Classificada como “parcialmente livre”, a Guiné-Bissau conquistou uma pontuação global de 46 pontos, com 17 pontos nos direitos políticos e 29 nas liberdades civis.

Os países considerados “livres”, onde se incluem os lusófonos Portugal (96 pontos), Brasil (75 pontos), Cabo Verde (92 pontos), São Tomé e Príncipe (84 pontos) e Timor-Leste (71 pontos) têm classificações globais acima dos 70 pontos.

Angola (32 pontos) e Guiné Equatorial (6 pontos) são os dois países lusófonos classificados como “não livres”.

Moçambique perdeu seis pontos em relação ao relatório anterior e surge classificado como “parcialmente livre”, com uma pontuação global de 45 em 100 pontos possíveis, conquistando 14 pontos em direitos políticos e 31 nas liberdades civis.

Numa avaliação a 10 anos, Moçambique regista uma quebra de 14 pontos na classificação global e integra o grupo dos 29 países que mais pioraram as suas prestações ao longo da década.

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